12:37A cidade à noite

por Yuri Vasconcelos Silva 

Quando a noite chega, a cidade se mostra com trejeito curioso. Parece um bicho tímido que fácil se assusta com as pessoas que nela vivem. A escuridão depois da meia-noite torna-se o habitat natural da urbe. Tudo que é feito de concreto, luz artificial, asfalto negro, águas de espelhos. Aquilo que é mosaico em calçadas, amarelo intermitente em semáforos, manequins voyeurs em vitrines. Todas as coisas que se escondem durante o frenético cotidiano à luz do dia, torna-se vivo de madrugada.

Assim como o palco é o protagonista quando a peça acaba, a metrópole ganha seu destaque quando o dia termina. Quem já caminhou ou dirigiu neste horário, sente a cidade concreta, fria, abraçar os solitários insones. Quem arrisca o passeio às três da manhã, no ocasional retorno de um jantar prolongado ou festa animada, sente a cidade com outra intensidade durante a madrugada. O sentimento de solidão cresce, em especial se é uma noite estrelada. A sensação de liberdade também aumenta, proporcional à dosagem alcóolica no sangue. Algumas vozes isoladas, ou gargalhadas ao longe, podem transmitir o medo ou a segurança de não se estar só. Poucas luzes acessas em janelas distantes, o tremular azul de algum televisor esquecido ligado. O ar frio revigorante. O som ritmado do seu sapato sobre o piso, indicando sua presa. Toc-toc, toc-toc. Impossível ouvi-los durante o dia. Sombras de outros solitários na mesma escuridão. Desafortunados amontoados sob marquises ou sobre bancos, cobertos com papelão ou velhas cobertas. Às vezes um avião ronca no céu, atirando a dúvida de onde vem e para onde vai a esta hora. Um bêbado sempre aparece – este também é o habitat deles. Ele canta uma música irreconhecível ou conversa sozinho. A avenida está tão vazia que a vontade de caminhar no meio dela é insuportável, só para invadir o espaço exclusivo de veículos grotescos e mal educados. Prostitutas, garotos de programa e travestis observam quem passa de carro ou a pé, na busca do sustento da noite. Ocupam as quadras de forma zoneada, cada qual em seu território. Alguns taxistas dormem dentro de seus laranjas quadriculados. Gatos cruzam o caminho. Ou seriam ratos? As estátuas das praças são mais bonitas neste horário. Os bueiros soltam gases e os asfaltos refletem os inúteis avisos dos semáforos. Inúteis porque a maioria dos motoristas só enxerga verde neste horário.

O medo de caminhar sozinho no meio da cidade passa em alguns minutos. Mas é bom não ficar muito tempo por lá, e logo voltar para casa. A madrugada citadina pode viciar, e você se tornar mais um habitante da cidade na sombra.

*Yuri Vasconcelos Silva é arquiteto

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Uma ideia sobre “A cidade à noite

  1. Sergio Silvestre

    Reduzindo a umas poucas linhas,você deu uma passada na madruga pela Praça Osorio.
    Lá tem tudo isso mais um pouco as três da manhã,inclusive não ande no meio da rua que pode vir um Carli da vida tirando um racha com motorista desconhecido ,ou muito conhecido e te atropelar.

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