18:52Me responda, Sargento

de  Dalton Trevisan

 

Dez anos, sargento, apartada do João. Uma tarde, sem se despedir, montou no cavalinho pampa. Em dez anos de espera nunca deu notícia. Com a morte do meu velho, que me deixou o sítio, quinze dias atrás lá estava eu, bem quieta, cuidando da casa e da criação, ajudada pelo meu afilhado José, esse anjo de oito aninhos. Quem vai entrando sem bater palma nem pedir licença? Maltrapilho, chapéu na mão para fazer vida comigo. Mais de espanto que de saudade aceitei, bom ou mau, eu disse, é o meu João. Nos primeiros dias foi bonzinho. Quem não gosta de uma cabeça de homem no travesseiro? Logo começou a beber, não me valia em nada no sítio. Eu saía bem cedo com o menino a lidar na roça, o bichão ficava dormindo. Bocejando de chinelos e desfrutando regalias. Não quer castigar o corpinho, não joga um punhado de milho para as galinhas. Só então, sargento, burra de mim, descobri o mistério. Ele voltou por amor da herança. Na primeira semana vendeu o leitão mais gordo do chiqueiro, não me deu satisfação. O sargento viu algum dinheiro? Nem eu. 

Ontem, chegou bêbado e de óculo escuro. Espantou o menino para o terreiro e, fechados no quarto, bradou que eu tinha um amante, o meu afilhado bem que era filho. Antes de contar três, eu disse o nome do pai. Mais que, de joelhos e mão posta, negasse o outro homem, por mim o testemunho dos vizinhos, ele me cobriu de palavrão, murro, pontapé. Pegou da espingarda, me bateu com a coronha na cabeça. Obrigou a rezar na hora da morte e pedir louvado. Que eu abrisse a boca, encostou o cano, fez que apertava o gatilho. Não satisfeito, sacou da garrucha, apagou o lampião a bala. Disparou dois tiros na minha, só não acertou porque me desviei. Uma bala se enterrou na porta, a outra furou a cortina, em três pedaços a cabeça do São Jorge. Cansado de reinar deitou-se vestido e de sapato. Que a escrava servisse a janta na cama. Provou uma garfada e atirou o prato, manchando de feijão toda a parede: Quero outra, esta não prestou. Deus me acudiu, ao voltar com a bandeja ele roncava espumando pelo dente de ouro. Agarrei meu filho, chorando e rezando corri a noite inteira. Ficasse lá no sítio era dona morta. E agora, sargento, que vai ser da minha vida? Que é que eu faço?

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