por Zé da Silva
Touro
Havia algo dentro dele que, imaginava, talvez nunca decifraria. Não sabia se medo, covardia, passividade para provocações. Às vezes se sentia tão forte que temia o descontrole, mas essa parte era soterrada ao lembrar de situações inesperadas que o paralisavam. Foi assim naquela vez no caminho para a escola quando um companheiro, não sabe por quê, começou a xingá-lo de tudo quanto é nome sem ele lembrar ter feito nada de mal para o fulano. Mais tarde, já na faculdade, aconteceu a mesma coisa, com outro companheiro de sala, que de uma hora para outro passou a lhe desferir impropérios na sua orelha e até hoje ele não sabe o motivo. Engoliu tudo, sem argumentar, e depois o mistério aumentou porque os dois desafetos daqueles momentos recortados no tempo e relembrados sempre pela alma, voltaram ao normal como se nada tivesse acontecido. Seria um teste da vida? Ou teriam de lhe encostar o dedo para que o instinto assassino explodisse numa onda de violência? Nunca soube. Um dia revelou isso a um amigo. Ele disse que passara por isso e que superou no dia em que, com uma cabeçada, afundou o nariz de um que lhe ficou lhe cutucando a paciência porque achava ser maior e mais forte. A teoria: o represamento do desconforto precisa do primeiro ato, que pode até ser um tapa na cara e uma cusparada. Depois, seja o que o Diabo quiser. Ele agora espera uma oportunidade. E treina mentalmente cutuvelada para quebrar o maxilar, partir a língua do falastrão anônimo e nunca mais lembrar dos fantasmas.