18:56Palavra nada

por Mário Montanha Teixeira Filho 

Escrever. Buscava palavras, mas nada. Lembranças da vida transformadas em fios finos, galhos frágeis a segurar algumas folhas, pequenas, leves, esparsas. O que dizer, então? Extrair da desimportância da criatura criada, envelhecida já, alguma história que valha, algum segredo, uma lembrança. Senta-se à mesa eleita, pede-se trago, rasga-se verbo, paga-se, vai-se. E isso sempre, todo dia quase, até que o cansaço do corpo negue, esfregue no rosto a passagem do tempo.

E as palavras não vêm ainda. Seguem em desuso, negativa de presença. Nenhuma delas, eis que não ocorrente fato digno de anotar, tornar-se do mundo, dividir-se. São de outrem as palavras. Desde que o mundo é mudo, entretanto, faz-se o rigor do dito, o imperativo da intervenção dos que contam, cantam, versejam.

Escrever. Eis o que se deseja, necessita e fazem poucos, os que têm o tom, dom de dar, e dão, os que contam.

Buscava as palavras, e nada. Nada de palavra, nada de significância. Na rua, a miséria escancarada, o pão negado ao escravo, o homem do dinheiro engordado do suor do que trabalha, a sombra da guarda de farda, o desviver decretado na lei-ora-a-lei.

E nada mais, nada de palavra, nada de nada de nada de nada.

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