15:04Criminosos temidos, ex-PM e guarda davam as ordens em ala com presos da Lava Jato

Da Folha de S.Paulo

Relato integra livro que narra o cotidiano de presídio no Paraná no qual políticos e empreiteiros ficaram detidos

Pela sexta galeria do Complexo Médico Penal de Pinhais, a ala VIP destinada aos presos da Lava Jato no Paraná, passaram um ex-ministro-chefe da Casa Civil (José Dirceu), um ex-presidente da Câmara (Eduardo Cunha), dois ex-governadores (Sérgio Cabral, do Rio, e Beto Richa, do Paraná), um senador (Gim Argello) e alguns deputados federais.

Estiveram lá também empresários poderosos, como o empreiteiro Marcelo Odebrecht, à época o nono mais rico do país, e Léo Pinheiro, acionista da OAS.

Naquele presídio, porém, a liderança real estava nas mãos de dois detentos. O ex-policial militar Emerson Rodes Marques, conhecido como Rodes, e o ex-guarda municipal Kleverson Ávila Maia, o Batata. Ninguém, na sexta galeria de Pinhais, fazia algo sem pedir permissão a esses dois.

Rodes era o detento mais temido do Complexo Médico Penal. Ele foi preso por liderar uma quadrilha de policiais que assaltava cofres de empresas e bancos. Seu bando andava fortemente armado, usava fuzis e explosivos. O ex-policial é considerado um dos detentos mais perigosos do estado, isso segundo a inteligência das polícias Civil e Militar do Paraná e o departamento penitenciário estadual.

Batata também tinha uma ficha criminal robusta. Antes de ser preso, extorquia de contrabandista de cigarros a pequenos comerciantes. Era ameaçador e violento.

Aumentava a fama dos dois um episódio de 2014. Eles escaparam com vida do ataque de desafetos durante uma rebelião em outro presídio paranaense.

Um grupo de criminosos armados de estiletes artesanais perseguiram Rodes e Batata pelos corredores da cadeia em chamas. Após lutas e uma fuga cinematográfica, os dois resistiram até o fim da rebelião. Foram então transferidos para o Complexo Médico Penal.

A convivência dos presos da Lava Jato com criminosos perigosos é contada no livro “A Elite na Cadeia – O dia a dia dos presos da Lava Jato”, escrito pelo jornalista Wálter Nunes, repórter da Folha.

A obra, da editora Objetiva e que chega às livrarias no próximo dia 22, retrata o cotidiano na prisão dos principais alvos da maior operação de combate à corrupção do país.

As histórias se passam nas duas prisões do Paraná que abrigam presos da Lava Jato. Além da sexta galeria do Complexo Médico Penal, em Pinhais, também é palco de histórias do livro a carceragem da Polícia Federal, em Curitiba, onde ficam delatores da operação, e a cela especial onde o ex-presidente Lula cumpriu pena de abril de 2018 até a última sexta (8).

O Complexo Médico Penal, conhecido pela sigla CMP, é um antigo manicômio judicial gerenciado pelo Governo do Paraná. O lugar tem capacidade para 659 detentos, com enfermaria, hospital penitenciário, ala feminina e seis galerias.

A sexta galeria do CMP tem 32 celas e foi reservada para os presos enviados por Sergio Moro, desde 2015, quando ele resolveu transferir políticos e empreiteiros que superlotavam a carceragem da Polícia Federal de Curitiba.

Quando os presos da Lava Jato chegaram à sexta galeria encontraram lá detentos que corriam risco em outras penitenciárias. Eram ex-policiais, ex-agentes de segurança, estupradores e espancadores de crianças e mulheres, todos rejeitados pela população carcerária e que viravam alvo em rebeliões.

Emerson Rodes e seu vice, Batata, viviam na cela 632, a mais próxima do portão de acesso à sexta galeria. Para alguém entrar ou sair dali tinha que passar pelas vistas de Rodes e Batata. Isso, segundo os carcereiros, poderia significar mais segurança aos presos da Lava Jato, pois ninguém se atreveria a alguma loucura com Rodes e Batata no lugar.

No início, o convívio entre eles foi tranquilo, mas a estratégia pode ter sido um equívoco.

Numa manhã, em meados de 2015, agentes penitenciários revistaram a cela de Rodes e Batata, enquanto eles estavam no pátio com os outros presos no banho de sol. Um carcereiro montou guarda no acesso à sexta galeria, e outros reviraram o cubículo. Havia a informação de que algo estava sendo tramado contra algum dos prisioneiros da Lava Jato.

Os agentes encontraram na cela o rascunho de um mapa que mostrava dois carros desenhados, saindo do aeroporto Afonso Pena, em São José dos Pinhais, até o Complexo Médico Penal, em Pinhais, ambas cidades da região metropolitana de Curitiba.

O desenho indicava os dois carros passando por uma pequena estrada de terra que dá acesso ao presídio e, nesse ponto, o rascunho apontava uma árvore caída, interditando o acesso de veículos.

Ao analisar o mapa, o então diretor do CMP, Roberto Saraiva, decidiu não arriscar um monitoramento direto dos dois criminosos para preparar um flagrante. Era muito arriscado, na visão dele.

Caso algo desse errado, seria uma tragédia. Um crime contra um preso famoso ou seu familiar teria uma repercussão imensa e deflagraria uma crise. Saraiva decidiu então transferir todos os ex-policiais, da sexta para a quinta galeria, longe dos presos da Lava Jato. Isso, concluiu, abortaria qualquer plano.

Segundo o livro, uma situação parecida com a descrita no rascunho do mapa de fato aconteceu. Numa sexta-feira, a mulher de Marcelo Odebrecht saiu de São Paulo e foi visitar o marido, no Paraná. Chegou ao aeroporto Afonso Pena e seguiu de carro até a pequena estrada de terra que dá acesso ao CMP.

Lá, seu veículo teve que parar por causa de galhos que interditavam a pista. Os seus assessores desceram e removeram o obstáculo. Naquele dia, seguiram sem problemas, mas desconfiados sobre os pedaços de árvore no meio da estrada.

A ELITE NA CADEIA

  • Preço R$ 49,90 (278 págs.)
  • Autor Wálter Nunes
  • Editora Objetiva
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