13:41Começão, comissão

De Rogério Distéfano, no blog O Insulto Diário

NAQUELE TEMPO, virada dos anos 1940/50, ainda existia isso de moços de boa família viverem à custa de cafetinas. Tinha um custo para elas e um preço para eles.

O CUSTO era insignificante diante do benefício: jovens, altos, bonitos, atléticos graças ao futebol, todos os dentes na boca, muitos na faculdade. Roupas caras, tecidos importados, sapatos ingleses – o famoso Church do cromo alemão -, não raro um carro do ano, pouco para a cafetina sem os encantos do começo de carreira, muito para o moço pleno de sonhos e vazio de posses.

O PREÇO – alto – pago pelo moço vinha da blindagem das moças de família, não por elas, sim pelos pais, na maioria clientes da patrocinadora do bonitão – que, seja pelo hábito, pela origem ou pela blindagem, passaria o resto da vida confinado aos amores de bordel, compartilhados ou exclusivos. Mas o moço não seduzira a cafetina sem o talento amplo e genérico de seduzir. A todos, cafetinas e clientes.

UM DIA, patrona velha, sem atrativos, faculdade concluída, o moço bonito tem que tocar a vida, fazer valer a formação. A da academia com o pré-graduação do mafuá. Formação ampla, bem haurida, os dois ambientes deram envergadura ao moço. De gigolô passou a funcionário, toda a vida em excelentes cargos de confiança. Políticos de todos os credos e cores tinham confiança nele – ou medo da memória dele.

NUNCA renegou as origens. Na roda de uísque, o melhor single malt escocês, contava como se fizera na vida, rico nas cenas e econômico nos detalhes. Cultivava o self deprecating (dava-se ao luxo de falar inglês), o humor auto-depreciativo. “Nunca passei de um gigolô, primeiro de mulher, agora do povo”. E concluía, encanto de pessoa: “Comecei no cargo em começão e acabei no cargo em comissão.”

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