10:25Segurança

De Fernando Muniz 

A corretora se ajeita em sua escrivaninha de três metros de altura e pés de palito. Apesar da distância que nos separa é possível ouvir sua voz, quase um sussurro, sem dificuldade. “Não vejo muito o que fazer”. Ela coça a cabeça e tenta arrumar o coque em seu cabelo, impecável, enquanto analisa extratos bancários e declarações de rendimentos.

“Poucos débitos e negócios que só deram certo. Três filhos de uma mesma esposa. Casamento estável. Nunca bateu o carro? Interessante”. Ela se mexe na cadeira e, lá do alto, balança os pés, feito uma colegial. “Mesmo assim o risco de renovar o seu seguro não é pequeno”. Essa sentença faz com que a sua escrivaninha suba uns centímetros.

“Mas o seu chefe, eu conheço ele muito bem, sabe? Crescemos juntos na mesma cidadezinha. Éramos vizinhos!”. A tentativa de soar conhecido causa uma boa impressão e a escrivaninha desce meio metro. É o momento de romper o cerco, avançar e ser ousado. “Ele não cresceu sendo prudente, não é mesmo? Mas a vida tratou de ensinar as lições necessárias. Como a mim, sabe?”. Ela não esboça reação, põe-se de pé e resolve apontar o lápis, tão fino e comprido como os pés da escrivaninha.

Aproveito para espiar ao redor. Vários corretores ora sobem ora descem, durante as entrevistas; ou os clientes ora crescem ora encolhem, não sei dizer. O efeito parece o mesmo: corretores cada vez mais distantes em suas roupas escuras, falar difícil e análises impenetráveis, salvo alguns instantes em que acende alguma esperança no rosto dos clientes. Mas esses momentos duram pouco; lapsos, nada mais.

A corretora retorna. Sem lápis nem pasta nem coque na cabeça. “Conversei com o meu superior. Ele tem uma vaga lembrança do senhor, apesar de não ter ideia de onde passou a infância. Seu pedido, que havia sido negado desde o início, passará por uma revisão”.

Tanto eu como a escrivaninha ganhamos volume. “Que notícia excelente! Quando sai o resultado?”.

“Nunca”.

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