8:03Bolsonaro, no outono

por Demétrio Magnoli

O presidente tem prazo de validade, que não é 2022, mas 2020

FHC descreveu-se como o “improvável presidente”, atestando seu reconhecimento de que chegara ao Planalto nas asas de um desvio histórico. Bolsonaro deve a cadeira presidencial a um acaso ainda mais fortuito que o sucesso do Plano Real: a ruína do sistema político da Nova República na moldura de uma profunda depressão econômica.

Mas, ao contrário do sofisticado intelectual, o capitão inculto imagina que seu triunfo deve-se à “necessidade histórica” —isto é, a uma “revolução” propelida pela ideologia. Dessa ilusão nasce a crise crônica que trava o governo e anuncia a sua implosão.

O sistema político edificado três décadas atrás combinou os poderes quase imperiais de um presidente que governa por decretos com as prerrogativas quase ilimitadas de um Congresso fragmentado em miríades de partidos. O presidente fantasiado de soberano precisa, ao longo do mandato, usar seus poderes para construir —e, depois, conservar— uma maioria parlamentar operacional. Bolsonaro não quer —e provavelmente não conseguiria, mesmo se quisesse— engajar-se na missão da governabilidade.

O impasse tem um contexto. FHC navegou o sistema político a bordo de uma nau mais ou menos estável: a aliança programática PSDB/PFL, que lhe conferia um núcleo sólido de apoio no Congresso. O tucano comprou a governabilidade a custo baixo, praticando moderadamente o esporte da fisiologia. Já Lula pilotou uma nau avariada pela falta de um consenso programático básico na coalizão PT/PMDB/PP e pela multiplicação descontrolada de partidos. O petista abriu as portas da administração pública e das estatais à sanha colonizadora das máfias políticas. Os resultados foram o mensalão, o petrolão e, no fim, a derrubada do edifício pela artilharia da Lava Jato.

O presidente —qualquer presidente eleito na hora da derrocada— teria as alternativas realistas de tentar restaurar o sistema ou de encarar o desafio de reinventá-lo. Bolsonaro, porém, não entende a natureza da encruzilhada. Isolado na concha ideológica de suas próprias redes sociais, singra o mar de destroços girando o timão erraticamente, desorientado por uma bússola que nunca aponta o norte. De um lado, teme uma conspiração parlamentar destinada a envolvê-lo no novelo fatal da fisiologia. De outro, teme uma conspiração do STF e da imprensa destinado a fabricar um impeachment. Na batalha contra os dois moinhos de vento, hostiliza o Congresso, os juízes e a opinião pública, cavando a sepultura de seu governo.

O governo não tem nada parecido com uma base parlamentar. As sucessivas derrotas em votações banais no Congresso, iluminadas pelos clarões de ataques aos parlamentares promovidos por ministros, assessores e filhos do presidente, erguem-se como nuvens de tempestade sobre o projeto de reforma previdenciária. A adição das ruas à equação política semeia o campo da incerteza. A gosma ideológica também é responsável pelo novo componente da crise: foram as repetidas provocações do ministro olavete, não um simples contingenciamento de recursos, que impulsionaram centenas de milhares de pessoas a aderir às manifestações. Da rejeição dos cortes na Educação à recusa da Nova Previdência, o passo depende apenas do ritmo da desmoralização do governo.

“Idiotas úteis”: não é, ainda, 2013, mas um presidente alheio à realidade esforça-se para recriá-lo. Bolsonaro tem prazo de validade, que não é 2022, mas 2020. Sem uma reforma previdenciária forte, a persistência da estagnação econômica dissolverá a legitimidade política do governo.

No horizonte cinzento, para lá da operação tartaruga do Ministério Público, emergem os contornos agourentos de um certo Adriano e de um tal de Queiroz. O Brasil real quer emprego, renda e serviços públicos, não a “revolução” reacionária do bolsonaro-olavismo. Mas o outono já vai passando, e só a Carolina não viu.

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3 ideias sobre “Bolsonaro, no outono

  1. SERGIO SILVESTRE

    Cristo perambulava por ai ,fazia um milagre aqui,ressuscitava outro ali,mas vez por outra se deparava com um monte de problemas que o povo ia acumulando,e quando Jesus não conseguia atender a todos,vinha a critica acida dos religiosos da época e parte da elite que não engolia o filho de Deus por ser pobre e para eles inculto.
    Não deu outra,as mentiras foram se propagando,os arautos se encarregaram da parte suja e Jesus passou de Santo para demônio do dia para a noite,onde imputavam a ele toda sorte de terríveis pecados e até heresias.
    2019 anos depois o homem continua o mesmo,alguém faz um milagre por ai,lhe da condição de ter uma vida melhor,um emprego com um bom salario ,ele viaja,compra carro,celular para toda família,nora razoavelmente bem,mas os milagres não são suficientes para ele,quer mais e quando mais não vem ele se rebela com seu benfeitor.
    Assim ajudado por arautos modernos,contam mentiras diárias aos montes,ajudados por irmandades obscuras,vão denando toda sua popularidade

  2. bs

    O Mourão ja esta se preparando
    Se a lei permitisse assumiria agora, e talvez isso seja o melhor para o Brasil
    Ou serão mais quatro anos perdidos.
    Quem sabe os eleitores aprendem que votar com raiva não resolve o problema do Brasil

  3. joao

    Nada mal feito, termina bem. Nem o Bolsonaro acredita que é o Presidente, e por acaso vive este papel , sem conhecer como atuar ou agir quando o mar se agita.
    Agora estamos pagando um preço por este infortúnio presidente, que se apegou na cartilha de seu astrólogo, ainda que a cigana lesse seu destino, porém, não sabemos como será o amanhã.
    A crise não admite e não perdoa incapacidade, principalmente, desculpas de ingovernabilidade.
    Este momento frágil e vulnerável do governo, geram muitas especulações, contudo ainda que eleito o presidente, a cadeira está vazia.
    Afinal, quem governa este pais de fato, o fisiologismo puxado por um congresso e demais poderes que se embrigam nos vinhos premiados e iguarias às custas do suor de todos nós.

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