22:35Rubem Braga em Londrina

Não é a primeira vez eu vejo Londrina. Andei por aqui em 1934, quando, humilde e operoso repórter agrícola, acompanhei uma comissão de importadores europeus de café por todas as zonas de café de São Paulo e Paraná. A cidade, fundada pouco antes, tinha cerca de 2.000 habitantes. Voltei em fins de 1940, para fazer, com amigos, uma caçada às margens do Tibagi, onde por sinal cacei, antes de tudo, uma bela maleita; e Londrina tinha 12.000 habitantes. Volto agora para encontrá-la com cerca de 35 mil.

No lugar das casas de madeira que conheci antigamente, Londrina está cheia de prédios novos — e os edifícios de cimento armado, de linhas modernas, crescem em vários pontos. A cidade tem todo o conforto, tem vida noturna com damas cariocas, argentinas e uruguaias, tem boate, pode chamar cantores internacionais que não vão a Curitiba — e tem também uma das maiores criminalidades do mundo. Não é segredo para ninguém que muitas autoridades já foram corrompidas aqui: é difícil, com um ordenado mesquinho, ter uma verdadeira ascendência em uma terra em que as fortunas nascem de súbito e a vida é frequentemente mais cara que no Rio de Janeiro. Faço a barba em um barbeiro qualquer, de uma rua qualquer, e me cobram o mesmo preço do barbeiro do anexo do Copacabana Palace Hotel; sete cruzeiros, isto é, pelo menos dez, com a inevitável gorjeta. Assim é tudo. Esse hotel em que me instalo é propriedade de um médico vindo há alguns anos, sem um tostão no bolso, tentar a vida…

O atual delegado de polícia é um homem alto, pouco falante, de cara de nenhum amigo. Ele mesmo me diz que não pretende fazer amizades aqui; é um homem de posses, que veio para combater o crime e a corrupção. Está aqui apenas há dois meses e já fez uma bela safra de estelionatários. Conhece um certo número de espertalhões financeira e politicamente bem colocados e espera uma “chance” de prendê-los. Está “limpando” a cidade antes que chegue a safra de café (esta safra será enorme, os gordos cafeeiros estão com uma carga soberba), quando os crimes se multiplicam. As maroteiras são feitas especialmente com conhecimentos de café, cheques sem fundo, venda de fazendas pertencentes a terceiros: golpes de centenas de contos, dados em poucos minutos, criando depois entre o “otário” e terceiros, situações difíceis de resolver. Os lavradores japoneses são vítimas frequentes desses espertalhões. Recentemente apareceu um tipo original, que vendeu a dezenas de baianos, paulistas, mineiros, japoneses, polacos, etc., enormes, brilhantes e falsas condecorações do governo da… Bolívia. Os rudes desbravadores do Norte, enriquecidos em poucos anos, queriam enfeitar-se com medalhas.

Londrina, capital desse mundo novo, cresce com imponência, fica importantemente urbana, gasta seus montes de dinheiro com uísque, cimento e luxos; mas a poeira do trabalho ainda lhe dá um ar rude, o barulho dos caminhões carregados ainda lhe proíbe qualquer doçura — pois só a idade e a discreta indolência podem fazer a cidade dos homens abençoada pelo espírito, pela sabedoria e pela graça de viver.

*Rubem Braga, 23 de janeiro de 1952.

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