19:01Poder e dever na imprensa

por Janio de Freitas

As instituições oficiais não estão em condições de defender as conquistas democráticas

Tanto quanto dependerá de Jair Bolsonaro e sua trupe ideológica, o Brasil e seus anos vindouros passam a depender da imprensa. Em vista do que o novo Congresso prenuncia e do visto nas altas instâncias da Justiça, quando seria necessário proteger direitos e a própria Constituição, impõe-se a evidência: as instituições oficiais não estão em condições de defender as conquistas democráticas dos últimos três decênios.

A responsabilidade pode ser excessiva para uma imprensa que não supera a vacilação, põe-se como terreno desnivelado de embates entre o interesse público e o interesse privado e, como novidade, já está ameaçada por Bolsonaro.

A rigor, a missão nada excederia, porque já integra a concepção de jornalismo consagrada no século passado. O problema é que essa concepção encontra dificuldades aqui. Tanto no poder econômico, que abomina a liberdade de imprensa, como em vícios remanescentes em parte da própria imprensa. Entre eles, o conflito vivido entre ética e conveniência por inúmeros jornalistas.

A complacência da imprensa com o governo Collor não foi posta em questão, mas foi muito grande a sua responsabilidade pelo desastre.

O plano econômico então imposto foi essencialmente inconstitucional, além de sua violência, e a corrupção regida por PC Farias era o tema do dia e da noite no poder econômico. Mas a imprensa, em geral, calou o quanto pôde.

A administração caótica juntou-se aos desmandos para induzir um atraso de anos incalculáveis ao país. Não é esse o único exemplo da complacência culposa, muito ao contrário. Mas não absorver sua lição, para repelir toda complacência, será condenar a priori a democracia e o país ao desastre.

A defesa dos direitos, da liberdade e demais fundamentos da Constituição exige ser proporcional à ameaça e ao ataque que sofram. Nada menos e, se necessário, mais. Fora disso, é conivência. Essa é decisão de comando empresarial, sim, mas não só.

Os jornalistas brasileiros precisamos rever muitas condutas. Chega das compensações, por exemplo, para um falso equilíbrio de apoio e de crítica. Para compensar a crítica aos discursos inversos de Bolsonaro em sua posse, foi lugar-comum o ataque aos partidos de esquerda por não irem às solenidades ouvir os discursos criticados.

Até por caráter, se a razão política não bastava, os políticos de esquerda não tinham mesmo que prestigiar a posse de quem disse que vai exterminá-los, seja por “acabar com os petralhas”, seja mandando os opositores “para a cadeia ou para fora”.

Ainda no jornalismo profissional, são em número excessivo os mais realistas do que os reis. Sua “cautela” chega a fazer mais mal do que bem aos jornais e respectivas empresas. O boicote a comentaristas e repórteres, por motivos “ideológicos” ou políticos, é outra prática de chefias que se volta contra o jornal. E quem quiser pegue aí as carapuças, à espera de mais.

Eram 1.500 jornalistas na cobertura da posse de Bolsonaro. Entre serem revistados ao menos duas vezes, obrigados a se apresentar 7 horas antes da posse, serem confinados em cercadinhos sem cadeira, sem alimento, sem direito de ter maçã, iogurte ou garrafa de água; com restrição de acesso a banheiro e bebedouro, o planejado para os jornalistas foi humilhação generalizada.

Nem por isso a dignidade da profissão mereceu mais do que o aborrecimento pessoal. Se respeitada, com a reação proporcional levando à retirada geral, a ausência de cobertura reverteria para Bolsonaro a lição que seu general planejador quis para os repórteres. Mas só uns poucos jornalistas estrangeiros se retiraram.

Depender da imprensa (termo em que incluo também TV, rádio e revistas) é arriscado. Sempre encantada com a imprensa americana, porém, a brasileira tem agora um exemplo diário a considerar: a reação proporcional do Washington Post, do New York Times, da CNN e de outros aos desatinos de Donald Trump. Salvaram a liberdade de imprensa nos EUA e a si mesmos.

A imprensa brasileira talvez esteja condenada a algo parecido: o ódio à imprensa na trupe de Bolsonaro, militar e paisano, não quererá perder a oportunidade. Não é hipótese. É certeza.

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5 ideias sobre “Poder e dever na imprensa

  1. wilson portes

    Parabéns , Zé Beto, a partir de hoje volto a ser leitor diário de sua coluna.

    Os conceitos expressos pelo Janio de Freitas, em oportuna e profunda análise da atual conjuntura, reafirmam a necessidade premente da manutenção nos quadros da chamada Grande Imprensa, de profissionais engajados às de interesse nacional, independentemente dos valoreqs subalternos porventura abfraçados pelos donos desses veículos.

  2. wilson portes

    Parabéns , Zé Beto, a partir de hoje volto a ser leitor diário de sua coluna.

    Os conceitos expressos pelo Janio de Freitas, em oportuna e profunda análise da atual conjuntura, reafirmam a necessidade premente da manutenção nos quadros da chamada Grande Imprensa, de profissionais engajados às ações de interesse nacional, independentemente dos valores subalternos porventura abraçados pelos donos desses veículos.

    Será indispensável a dosagem de muita coragem e discernimento.

  3. Astolfo

    Está tudo dominado, cOM SUPREMO E COM TUDO. . Não entenderam que estamos vivendo novamente o “regime militar”?

  4. jorge

    Esse Janio de Freitas precisa cair na real. O poder de influência da mídia tradicional já era… Durante 14 anos foram complacentes com o PT que destruiu as finanças públicas do país e comprometeu as políticas de desenvolvimento, atração de capitais e geração de empregos.

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