7:58Réquiem para Carlos Nasser

por José Maria Correia

Foi em 1980 e no antigo MDB que conheci o Carlos. Ele vinha do antigo PP, o partido de  tancredo Neves, pelas mãos de Jayme Canet e de Affonso Camargo. Eu, do grupo de Richa pai e Álvaro Dias, entre outros.

Carlos tinha um perfil esguio e fisicamente muito parecido com o ator italiano Vitorio Gasmann, com o queixo proeminente. Neto de libaneses , filho de um médico ilustre de Ponta Grossa e uma delicada professora de piano, veio para Curitiba estudar Direito. Aqui andava na companhia do jornalista Nêgo Pessoa, de quem se tornou o maior é inseparável amigo. Morou muito tempo no Rio de Janeiro – e no meio jornalístico conviveu nas redações com os grandes nomes das letras. Alguns verdadeiros mitos como Nelson Rodrigues, com quem ia aos jogos do Fluminense no Maracanã, e Paulo Francis e Armando Nogueira, também cronistas. Como morava no Arpoador e na esquina do mar, seu companheiro de caminhadas matinais era o grande Millôr Fernandes, com quem costumava almoçar no estúdio.

Naninho, como era chamado (diminutivo de Carlinhos), conseguia a proeza de reunir em seu apartamento, para assistir futebol aos domingos, essas figuras e mais João Saldanha e Rafael de Almeida Magalhães, que foi Ministro e Vice-Governador da Guanabara, entre outros.

Naninho frequentou o apartamento de Paulo Francis em Nova York e foi chamado para gravar um depoimento no filme póstumo sobre o escritor e comentarista da Rede Globo. Era assim um bem sucedido cidadão do mundo, com amigos em Roma e na Inglaterra, onde fazia questão de comprar seus trajes. Era sofisticado com simplicidade -e era com naturalidade que frequentava também a mansão do icônico Roberto Marinho, a quem apresentou para vários governadores do Paraná.

Foi candidato a deputado federal constituinte, e mesmo sem fazer uma campanha cara,  ficou entre os suplentes mais votados. Tornou-se amigo do doutor Francisco da Cunha Pereira, que o convidou para escrever na Gazeta do Povo aos domingos, onde permaneceu por vinte anos como um dos críticos mais lidos.

Polêmico, certa vez arrumou uma encrenca com os donos de restaurantes de Santa Felicidade afirmando que o que serviam não era comida italiana, pois conhecia as boas receitas de toda a Itália, e os daqui não tinham semelhança alguma. O gentleman Doutor Francisco teve que usar de toda a habilidade para contornar a crise criada pelo exigente Naninho,

Também batia fortemente no PT, embora tivesse bons amigos e convivas entre petistas. E no futebol era implacável sempre à favor do Fluminense time que torcia desde criança por influência do tio que tinha sido presidente do clube. Naninho era frequentador e cavalheiro da Boca Maldita, local onde nocauteou um radialista desafeto por falar contra seus amigos. Desassombrado, era uma pena afiada, o que lhe custou alguns processos e incômodos.

Mesmo não tendo sido eleito deputado federal, era muito ouvido pelo Dr. Ulysses Guimarães que o convidou para o ultra restrito Clube do Poire, uma confraria de políticos influentes apreciadores do licor de pera e oriundos do antigo MDB. Com sua habilidade de saber ouvir, receber e aconselhar o Carlos Nasser, tornou-se também próximo de Pelé e de sua família.

Era ainda procurado pelos seus conhecimentos da Bolsa de Valores,onde atuou por décadas investindo e assessorando investidores. Profissionalmente além da Bolsa, foi Chefe do extinto escritório do Paraná no Rio de Janeiro, diretor da Corretora do Banestado e assessor de cinco governadores. Já depois dos setenta anos mantinha uma empresa de consultoria o que lhe trouxe alguns aborrecimentos em função de episódios mal esclarecidos mas que em nada o comprometiam moralmente. Também trabalhou no marketing de campanhas políticas importantes , tinha um raciocínio frio e lógico e era temido pelos adversários que encontrava.

Naninho considerava o trabalho de sua vida o livro “Jogadores Eternos”, onde, viajando pelo mjundo, entrevistou os maiores craques do esporte . Gente que nunca concede entrevista, verdadeiros ídolos o receberam depois de anos de tentativas para falar sobre o que viveram. Há depoimentos de Di Stefano, Beckembauer e os maiores do mundo, entre eles Didi , Mazolla e Pelé. Lembro quando estive no lançamento da obra junto com Álvaro Dias, Carneiro Neto e outros muitos amigos.

Naninho que já havia curado um câncer, sofreu depois um infarto e mais algumas intercorrências que o foram debilitando. Mesmo fragilizado ainda fazia questão de frequentar as mesas dos shoppings onde tomava café com os amigos Reynaldo Peixoto, Luiz Carlos Delazari e Luis Carlos Mello. Todos, à minha exceção e de Antoninho Freitas, já estão em outro plano. Também o melhor amigo o Nêgo Pessoa e a fantástica turma do Rio já estava no Maracanã de outra dimensão. O tempo faz a sua parte e com certa naturalidade impiedosa .

Lembro que outro grande amigo, o ex-vereador Emílio Mauro, companheiro de mesa do Bar do Ciccarino, dizia: “O Zé Maria convive bem com o Carlos Nasser.” Não era muito fácil, mas acho que foi porque descobri que ele fazia um personagem irritado e às vezes intolerante,mas que no fundo tinha um coração enorme e se preocupava muito com os amigos. Não foram poucos os que em maiores dificuldades foram socorridos pelo Naninho. A prova é que quem o conhecia logo se tornava seu amigo: o dentista Bento, o médico Tyrone, do Canad, ou os doutores Grupenmacher e Nilton Stadler, que o atendiam com cuidados – e estão aí para confirmar.

Naninho tinha seu jeito peculiar. atleta jogador de basquete, fisiculturista na juventude, nunca fumou e nem gostava de beber. Não dirigia automóveis e metodicamente só almoçava no restaurante Spring, no Batel, onde fez muitas amizades. Não tinha muita paciência com desconhecidos que liam seus artigos e vinham pedir palpites para investir na Bolsa. Aos que vinham lhe dar opiniões sobre política, dizia impaciente que não costumava discutir com amadores. Fazia esse tipo difícil, mas estava sempre rodeado de ouvintes. Certa vez vi o Carneiro Neto pedir silêncio na roda para que ouvissem o “profeta Carlos Nasser”

Quando fui visitá-lo já em casa, ele jácom a doença agravada, ainda assim ele discorria com sabedoria sobre o momento político, mesmo falando com dificuldade. Triste, percebi que ele estava no fim, quando me confessou que já não assistia os jogos do Fluminense, sua maior paixão.

Naninho não casou, embora tivesse tido relacionamentos longos, dizia não ter temperamento e havia se acostumado a morar sozinho. Felizmente a irmã Ercilia, um anjo na terra, cuidou para que ele partisse bem assistido, suavemente e em casa, como desejava, no domingo às vésperas de Natal.

Quem o conheceu de perto compreendeu que tinha lado, posições, lealdade e sentirá sua falta – eu entre eles. Agora, olhando à minha esquerda ou à minha direita, vejo cada vez mais vazios que não se preencherão jamais. E assim será, até que venha o grande silêncio da noite eterna.

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3 ideias sobre “Réquiem para Carlos Nasser

  1. Ercilia Maria Nasser Viecili

    Agradeço de coração as palavras escritas sobre o meu irmão.
    Ele tinha você como um grande amigo.

  2. julio zaruch

    Belo texto. Dizem que o Carlos Nasser era uma pessoa difícil. Conheci-o de longe. E sempre é bom saber que alguém lembra das qualidade de quem partiu.

  3. Paulo Vieira

    O quê precipitou a morte de Carlos Nasser foi o Beto Richa ter dito – por ocasião da Lava Jato – que ele era apenas um funcionário de “terceiro escalão”. Para um homem vaidoso isso corrói….

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