6:48Beleza

de Fernando Muniz 

“Por que, quando te fazem um elogio, só falta você bater na pessoa?”. O namorado chama o garçom e pede a conta, embora mal tenham chegado ao bar. A moça busca a sua manta; sente um calafrio.

“Ô de casa, tem alguém aí?”. Um carro para em frente à casa da menina. Parece ter enguiçado. Ela abre uma fresta e examina os três sujeitos, parados junto à soleira. Eles repetem a pergunta, que fica sem resposta. Logo sua mãe e avó aparecem. “Pois não?”.

A menina sente medo. Além de entrarem sem ser convidados, como a polícia costuma fazer no bairro, olham de um jeito estranho para as mulheres da casa, muito bonitas. Mesmo a avó, que parece irmã da sua mãe.

Vai para o quarto. “Não saia daqui até eu te chamar”. A avó pensa em trancar a porta, mas não sabe onde estão as chaves. Fica com raiva de si mesma. Na sala os homens falam alto, dão risadas. Um deles pede algo para beber. “Alguma coisa forte!”. Parece que já estão bêbados. Será que conhecem o seu pai?

De repente, a mãe entra correndo e a apanha. Saem pela janela e vão se esconder no jardim, nos fundos da casa. “Quem são esses homens?”. A mãe pede silêncio; também não faz a menor ideia de quem sejam. “Mas por que mexeram em tudo, quebrando a louça, jogando os panos de prato no chão?”. Se fosse para roubar, era só pedir. “Filhinha, pelo amor de deus, fique quieta!”.

Mas a menina não se preocupa. Ninguém consegue encontrar o seu esconderijo. Impossível. Nem seus amigos de esconde-esconde nem seu pai, quando ainda morava com elas e ficava brabo quando acontecia alguma coisa de errado.

Cai a noite e os homens desistem. Rogam pragas, xingam, e voltam para dentro de casa.

Na manhã seguinte, a menina quer sair do esconderijo; escuta um barulho de motor de carro e se anima. “Não, filhinha, é muito perigoso!”. Mas ela não obedece. “Quero a vovó!”. Saem do esconderijo e encontram a casa virada.

Encontram a avó no quarto da menina, desmaiada, pés e mãos amarrados na cama, quase nua, toda ensanguentada.

E, mesmo assim, bonita.

* Inspirado em passagem do livro “Últimas Testemunhas”, de Svetlana Aleksievitch.

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