8:36O sono e a morte

por Oberlan Rossetim

Saiu do cemitério com uma sensação de estranheza. Gostava de pensar na morte, tantos os tropeços. Escritor que sonha em ser famoso, porém sem reconhecimento algum, não estaria morto também? Tudo o que escreveu não é a sua própria lápide? Mordeu os lábios, um pouco pensativo. Chovia pouco. O céu também estava meio morto. Tirou do bolso um papel onde havia escrito uma frase, por assim dizer, para a hora da morte. Leu. Fez todo o sentido. Mas dane-se! Filosofia para o que não faz nenhum sentido. Ou vai dizer que virar pó tem lógica? Se houver alma, até que tem. Olhando para o defunto, calou-se, ausência de dúvida. Morreu o cérebro. Ali a resposta. O fim, o começo? Sua cabeça não estava dividida. Decidido: ali, aos seus olhos sem lágrimas (lágrima é grito, é vida), a conclusão. Assim é. Simples. Triste, apavorante? Quando menino, extremamente. Hoje, de tanto que já morreu, é sereno como onda que volta ao mar, depois de se agitar, por desconhecimento. Depois de olhar fundo a pálpebra que não mais se abrirá, que agora é uma mesa de rezas, a conversa, as explicações, o café. A ressurreição. O gosto na boca deu-lhe uma lembrança da vida. Mas uma vida sem açúcar. Havia pouco pão, margarina barata, xícaras para economia de copos plásticos. Na porta pequena da sala onde estava o caixão, ambiente de saudade e alívio, encostou-se, mais confortável do que a retidão do cadáver, e acendeu um cigarro. Pensou: aqui o fogo e a cinza, o que serei, como meu amigo ali deitado, santo (indo para onde?), sob flores. Odiou o extinto amigo: até ali só tratara mal as pessoas, ausência de cores. Agora flores. Não faz diferença alguma então como a gente vive? Pois bem. Fumo, peco, depois em pétalas durmo. Puniu-se, superegóico: o quê? Comparando o sono com a morte? Culpava-se, para viver menos.

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