11:38Autoestima

por Fernando Muniz 

        Não tem jeito, ninguém dá emprego pra banguela, sabe? Já percebeu alguma copeira ou garçonete banguela? Não tem, não, moça. Nem de empregada aceitam, e não foi por falta de tentativa.

Mas o pior é não abrir a boca. Pra passar vergonha, sem os dentes da frente? Ah, não. E aí acham você metida. Isso é o fim! Não abro a boca porque me arrancaram os dentes, mas sou metida porque fico de boca fechada. Dá depressão essas coisas.

E o pior é que o meu problema não se resolve com dentadura. Elas caem quando eu como alguma coisa mais dura, tipo maçã ou bife. Porque não perdi só os dentes. Quebraram o meu queixo, arrebentaram a minha cara, fiquei no hospital muitos dias. E olha que eles me conheciam. Já tinham sido meus amigos. Mas não tiveram dó; desceram o sarrafo em mim.

E eu não fiz nada pra eles, moça! Só estava passando ali, na frente do bar, indo pro trabalho, sem incomodar ninguém, como eu sempre fiz.

A doutora do postinho falou que eu preciso fazer um “implante”. Coisa cara. Só particular; o que eles podem fazer lá é tirar os dentes quebrados. Mas como eu vou arrumar dinheiro para colocar os dentes de volta, se ninguém dá emprego pra banguela?

Me disseram que vocês ajudam pessoas como eu. Não quero nada de graça, viu? Coisa de graça é pra mendigo. Não sou mendiga, nunca fui. Prefiro morrer. Quero tudo anotado, quanto vai ser. Com o primeiro salário venho aqui e acerto.

De documento, o que eu tenho é esse aqui. É a carteira de identidade que eu tenho, moça, de quando eu era menino.

Não precisa explicar que eu posso fazer uma carteira nova. Eu sei, já me explicaram no hospital. Foram muito bacanas lá.

Mas não quero.

Enquanto eu for banguela, não quero.

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