16:27Desalento

de Fernando Muniz 

Arrisca-se a olhar além da janela e vem à mente um formigueiro. Acha graça, triste, daquela ideia banal, enquanto acompanha os pontos pretos nas calçadas, espremidos entre meios-fios e marquises. E segue o fluxo de carros, que lembra o sangue nas veias, outra ideia besta naquele início de noite sem lua.

Torce os lábios à certeza de que, todo dia, com sorriso no rosto ou não, projetos de vida na cabeça, crenças ou certezas científicas a lhe dar alento ou não, assim que põe os pés na rua se transforma em um ponto daqueles. Sem cor.

Abre a janela; um vento de julho, gelado e incômodo, invade o quarto. Lembra-se do pai, não sabe por que; talvez alguma coisa tenha acontecido. Faz meses que não se falam.

Talvez seja só culpa pensar no pior, afinal, o vento frio é um acaso da natureza, cega, indiferente aos humanos e seus azares.

Dá um suspiro e afasta aqueles pensamentos. Toma um banho, isso sempre ajuda. Busca alguma música que melhore o ânimo. Na geladeira, o de sempre; um resto de vinho promete passatempo.

A noite avança e a sensação de vazio, aquele demônio, volta a rondar. Busca a janela e as luzes da cidade. Pensa nos pontos pretos, no sangue dos carros, no vento frio, no Cosmos cego e indiferente. E tenta se lembrar do motivo de ainda estar aqui. Cogita abrir a janela de novo, de uma vez por todas.

Mas nesta noite, não. Ainda. Graças ao vinho.

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