5:42Lanche da tarde

por Fernando Muniz 

“Papai, você escutou uns estalos lá fora?”

“Não deve ser nada, filha. Talvez tenha caído algum galho dessas árvores aqui do condomínio”. Os estalos aumentam. Um helicóptero passa sobre a casa.

“Papai, posso ir lá fora ver?” O pai estranha. “Calma” – liga para a portaria. O telefone está mudo. Nesse instante, tiros arrebentam a porta da sala de estar. Dois rapazes, bem-vestidos, entram em polvorosa, com pistolas em punho.

“Todo mundo no chão, porra!” – mas nem dá tempo de cumprir a ordem; entram três PMs pela porta da cozinha, arrombada a pontapés. Metralham os rapazes no ato.

A menina assiste a tudo, ao pé da escada que liga o térreo ao andar de cima. O pai, a dois passos dela, por pouco não é morto com os invasores.

“Carrega eles pra fora” – o mais velho dos PMs grita aos novatos. “E o senhor aí, trate de jogar uma água no chão, pra lavar essa sangueira. E troque a sua menina, porque ela fez xixi na calça”.

Novos tiros. “Puta que los pariu! Joguem os caras no camburão duma vez, caraio!” – e saem rumo à portaria.

Polícia e bandidos seguem com a matança. A filha continua ao pé da escada. O pai nota um agito na copa das árvores, pela janela da sala; é uma brisa, que leva o calor embora. Sirenes o incomodam. Começa a gargalhar.

Passa pela filha, sobe a escada e se dirige ao quatro de casal. Coloca tênis, calção e camiseta de corrida. “Filhinha, o papai vai fazer uma esteira na sala de ginástica e já volta, tá bom?” No rosto dele uma alegria estranha, que realça as rugas de expressão ao redor dos olhos e a calvície na testa; balança a cabeça como se tivesse Parkinson.

“Aí vamos fazer aquele lanche especial que o papai sabe fazer, tá bom? Meia horinha e estou de volta”.

A menina permanece em pé. No rosto, expressão nenhuma. Igual pedra.

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