15:07João Gilberto Noll, adeus

Do G1/RS

João Gilbeto Noll, premiado escritor gaúcho, morre aos 70 anos

O escritor João Gilberto Noll morreu em Porto Alegre na noite de terça-feira (28). A informação foi confirmada pelo irmão dele, Luiz Noll, em postagem no Facebook.

“João Gilberto Noll, meu grande amigo e irmão, nos deixou”, escreveu.

O velório ocorre nesta quarta-feira (29) na Capela 9 do Cemitério João XXIII, também na capital gaúcha. Entretanto, ainda não iniciou, já que o corpo não foi liberado. O sepultamento está marcado para as 18h, segundo o cemitério.

João Gilberto Noll nasceu em Porto Alegre em 15 de abril de 1946. Autor de 18 livros, ganhou cinco prêmios Jabuti. Em 1981 pelo livro “O cego e a dançarina”, em 1994 pela obra “Harmada”, em 1997 pelo livro “A céu aberto”, em 2004 por “Mínimos, Múltiplos, Comuns”, e em 2005 por “Lorde”.

Noll era graduado em letras e também era jornalista. Trabalhou nos jornais Última Hora e Folha da Manhã, no Rio de Janeiro, para onde se mudou em 1969.

Em 1982, João Gilberto Noll recebeu a bolsa do Programa de Escritores da Universidade de Yowa, EUA. Em 1996, passou um mês em Berkeley, nos Estados Unidos, como escritor visitante da Universidade da Califórnia, e, em 1997 foi convidado para lecionar Literatura e Cultura Brasileira nesta universidade. Em 2004, morou dois meses em Londres como escritor-residente no King’s College.

Primeiro livro foi “O cego e a dançarina”

Estreou como escritor com um conto na antologia Roda de fogo, organizada por Carlos Jorge Appel, de Porto Alegre. Em 1980 publicou seu primeiro livro, a coletânea de contos “O cego e a dançarina”.

Algumas de suas obras foram adaptadas para o cinema, entre as quais o conto “Alguma coisa urgentemente”, que inspirou o filme de Murilo Salles “Nunca fomos tão felizes”, de 1984, e o romance “Hotel Atlântico”, que deu origem ao filme de mesmo título, realizado por Suzana Amaral, em 2009.

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Da Folha de S.Paulo

Noll radicalizou suspensão de marcas temporais e geográficas

por Manoel da Costa Pinto

João Gilberto Noll é um dos últimos representantes daquilo que o crítico Alfredo Bosi definiu (num momento anterior ao surgimento do escritor gaúcho) como literatura de “sondagem psicológica” -especialmente Lúcio Cardoso e Clarice Lispector.

Com o primeiro, Noll partilha a temática homoerótica e da inadequação social, o universo sombrio e uma temporalidade estática que resvala nos limites do fantástico. Com a autora de “A Paixão Segundo GH”, a crispação interior das personagens, projetada num fluxo de escrita que a todo tempo se interroga.

Mas essas são apenas aproximações que servem para situar Noll na esteira de um processo em que a literatura brasileira ultrapassou temas sociais e identitários (dominantes desde o modernismo até o regionalismo), voltando-se para a experiência do homem lançado na solidão da cidade -com a metrópole, como espaço ficcional, simbolizando também o desenraizamento em relação a laços arcaicos, determinações culturais e históricas.

Nada disso -identidade cultural, vida urbana, história- está ausente da prosa de Noll, mas são temas que surgem num turbilhão perceptivo, fenomenológico, em que suas personagens cancelam a fronteira entre interioridade e exterioridade.

“Sou alguém que se desloca para me manter fixo?”, pergunta-se o narrador de “Berkeley em Bellagio” (2002), um escritor que transita entre a universidade norte-americana e a fundação italiana e que só consegue mitigar seu “alheamento convulso” pelo sexo, esses breves momentos epifânicos de preenchimento de uma falta essencial.

O corpo é a pátria dos protagonistas -quase sempre anônimos e quase sempre em fuga, de identidade instável e sexualidade polimorfa- dos romances e contos de Noll. Os acontecimentos históricos aparecem neles como panoramas de devastação, correlato objetivo de uma subjetividade massacrada.

É assim com o campo de refugiados que o protagonista de “Berkeley em Bellagio” reencontra no seu retorno a Porto Alegre, cujo ruinoso subúrbio é percorrido pelo narrador de “O Quieto Animal da Esquina” (1991). Ou, ainda, na guerra em país indefinido que a personagem de “A Céu Aberto” (1996) atravessa para resgatar o irmão.

João Gilberto Noll foi radicalizando essa suspensão de marcas temporais e geográficas, não como negação do concreto, mas como reação insubordinada do ser às apropriações pelo olhar do outro, pelo desejo do outro, pelos cárceres sociais e pelas prescrições da linguagem.

Em “Acenos e Afagos” (2008), plasma sua prosa de andamento torturado, litúrgica, num único parágrafo de 200 páginas, descrevendo a metamorfose de uma personagem que não apenas transita de um corpo masculino para um corpo de mulher, mas que expande sua “epopeia libidinal” para o inanimado e o reino animal.

Sem jamais cair no discurso de gênero panfletário ou militante, Noll fez da homossexualidade o interpretante de um sentimento de exílio, ao qual não falta um senso de humor nervoso, que ele soube levar com delicadeza aos livros para público juvenil que publicou nos últimos anos, como “Sou Eu!”, “O Nervo da Noite” e “Anjo das Ondas”.

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