6:28Devaneio

por Fernando Muniz 

        Dia ensolarado, de muito calor, a metrópole pulsa com o movimento das pessoas. Dentro do escritório o ar condicionado e as persianas limitam os efeitos do verão, o que faz com que os funcionários sintam-se privilegiados em trabalhar para aquela multinacional.

Não que isso signifique alguma coisa além de condições de trabalho um pouco melhores. “Prefiro os relógios de ponteiro, pois naqueles com visor digital as horas correm mais rápido”, a gerente financeira suspira, em busca de mais alguns minutos, envolta na revisão de um relatório financeiro extenso e incompreensível. “Será que vou conseguir fechar isso até a hora do almoço? Não agüento mais essa rotina de almoçar na mesa de trabalho”.

Como se não bastasse, lá vem mais uma chamada inoportuna do chefe.

Miss, por favor vem aqui à minha sala!

Fecha a blusa, arruma a saia e vai ao encontro do chefe. “Vou ficar parada na porta, com o bloquinho e a caneta nas mãos. Assim não sinto aquele cheiro horrível de cigarro e ele não consegue espiar o meu decote”.

– Já mandou relatório?

– Não, chefe. Pediram novas análises e acredito que até o final da manhã envio o material à matriz.

– Ok, me avisa quando estiver pronto.

– Copiarei toda a equipe no e-mail de envio, pode deixar, conforme as regras de protocolo da empresa.

É óbvio que ela não precisaria ter ido até a sala dele. Bastaria um telefonema. Não que ela se importe muito com os olhares do chefe. “Ele me come com os olhos, mas no fundo é um gringo frouxo. Só faz isso porque confunde subordinação no trabalho com submissão na cama. Não aguentaria cinco minutos com qualquer uma daqui”, pensa enquanto admira o movimento da rua entre as persianas e o relógio digital na parede, ameaçador.

Subiu na vida com muito esforço; em sua família foi a primeira a ter diploma. Saiu de casa cedo, para morar perto do trabalho, naquela empresa cujo nome causa admiração e inveja nos almoços de Natal. Só que, apesar desses avanços, sente um incômodo que teima em não ir embora; até pensou em fazer terapia, ou coisa parecida, mas não tem tempo para essas bobagens. Um bom livro ou uma viagem à praia trazem o mesmo resultado e são bem mais baratos.

Retorna ao trabalho e se volta para a tela do computador. O celular emite um sinal. “Opa, temos novidade!”.

xxx: oie blz?

É a amiga do setor de marketing. Está sempre em relacionamentos os mais esdrúxulos, que a deixam apreensiva. Sente-se por vezes na obrigação de dar-lhe uns conselhos, tamanhas maluquices em que se mete.

yyy: oi…

xxx: eae, almoco hj?

yyy: sei nao, relatorio pra terminar L

xxx: poootz, de novo? o dia tah tao lindo!!!

yyy: eh…

xxx: preciso te contar uma coisa menina… vc n vai acreditar…

yyy: q q foi?

xxx: ‘caixa preta’, jah ouviu falar? encontro as escuras… … com amigo virtual!!!

yyy: como assim?

xxx: marquei encontro com o Alex num motel perto de casa…

yyy: umh… e como ele eh??

xxx: ae q eh o tesao de tudo, eu n sei!!!!

yyy: COMO ASSIM???

xxx: o encontro foi literalmente as escuras… sem nenhuma luz nem nada… confesso q nem maquiada fui… mas nem te conto… loucura total… fui pra cama com meu principe!!!!!!

yyy: masss… vc. nao sabe como ele eh?

xxx: claro q sei! eh o Alex daaaahhhh… participamos da mesma comunidade q luta pela floresta amazonica… olha soh www.liveamazonforever.com/groups/actionnow/ massa a proposta deles neh??, poh, n te apresentei ao principe??? olha soh o perfil dele www.toothpaste.com/avatari/sign.in/tzp39 gato neh???

yyy: mas como vc sabe q foi ele msmo, se n foi outro no lugar??? sei lah, essas fotos do perfil dele parecem editadas…

xxx: hellooooo, q q tem isso de errado? quem apareceu lah foi o Alex e pronto!!!! pior: toh apaixonada!!!!

yyy: entao… ele jah te procurou desde ontem?

xxx: nem… L  mas n tem problema… n vou ficar “de grude” senao ele pensa que sou daquelas possessivas…

Encosta-se na cadeira, lê mais uma vez a sequência de mensagens e suspira. “Ela dormiu com um cara que namora pela internet faz 3 semanas… que conheceu em uma comunidade virtual que luta pela Amazônia… e nem consegue dizer se foi ele mesmo quem transou com ela… foi para um quarto escuro com um estranho e nem se preocupa com o dia seguinte”. Ela se perde em meio aos pensamentos mais desencontrados. O chefe passa por perto, soturno.

– Olha, não esquece, relatório até o final da manhã!!!!

Toda sorte de medos e paranoias vêm à sua mente. “E se fosse um maníaco, desses que andam por aí? Vai que o cara curte rituais macabros? E se ele matasse ela naquele quarto e colocasse o corpo numa mala e a jogasse ao mar? Fora o pessoal daquele motel chinfrim, que já viu de tudo nessa vida, ninguém mais saberia de nada…”. E volta a falar com a menina.

yyy: oie, tah porae???

xxx: oi

yyy: e entao, essa estoria de ‘caixa preta’ me deixou encucada

xxx: pq?

yyy: e agora, o q vai acontecer? vc vai ver ele denovo???

xxx: sei lah. tomara. foi bom…

yyy: como assim?

xxx: ah, desencana, q q isso importa? Cada dia eh um dia… vai terminar teu relatorio e depois falamos… o almoco ainda tah de pé!!!! na cantina do terceiro andar? fui!!!!

Apesar daqueles medos concretos, um calor começa a subir pelas suas pernas. “E se, por outro lado, o encontro fosse bom? Sei lá, com o meu último namorado fizemos cada uma…”.

Lembra-se daquele fetiche, de que ela tinha que ir para as baladas sem nada por baixo. No começo achou essa estória um absurdo, até aquela festa de despedida de um dos gringos da empresa. Ahh… o banheiro era meio sujo, mas quando ele a empurrou para lá e a pegou por trás… Esqueceu-se de tudo em volta ao sentir aquele beijo gostoso na nuca, o aperto bem forte que não a deixava fugir…

Leva um susto com o próprio ronronar. Abre os olhos, mira para os lados e, principalmente, para a sala do chefe. Vazia. Ainda bem.

A saudade bate forte, porque o namoro acabou faz tempo. Nunca mais encontrou ninguém como ele. Algumas paqueras, um assobio lá e cá, afinal tem trinta anos e se cuida bastante.

Pena que ele foi embora, sem aviso. Nem nas redes sociais consegue pescar alguma coisa. Encontrá-lo, ou alguém como ele, seria uma maravilha.

Começa a matutar. Aquele incômodo, sombrio, aparece. Olha para o relógio digital, para o relatório e para o celular. Rola a barra de programas e vai até o mensageiro eletrônico. Encontra um nome antigo, indicação de uma amiga algum tempo atrás, um cara com um perfil parecido ao do seu ex. Vai às páginas dele nas redes sociais, com a esperança de encontrar uma justificativa para o que vai fazer. Lembra-se da amiga; não consegue conter um suspiro.

yyy: oie…

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