20:21ZÉ DA SILVA

Ninguém entendeu quando ele chegou em casa eufórico dizendo que tinha sido escolhido presidente do grêmio estudantil. Na meia-água havia um pai e uma mãe semianalfabetos, corretos, mas que nunca se ligaram na politicalha, como falavam, mesmo porque não entendiam nada e só se manifestavam na eleição. Xingavam o fato de serem obrigados a votar naqueles bandidos que se apresentavam com a cara mais lavada do mundo. Era o entendimento deles, comum, aliás, na vila. O garoto dizia que só estava tentando mudar o mundo através do seu mundo, o do colégio. Se revelou líder, boa pinta, fala fácil, incisiva. Na universidade, onde foi para a sociologia, continuou o mesmo. Acabou entrando em partido para endireitar as coisas. Se elegeu, foi para o Congresso, enriqueceu não se sabe como (mas desconfiava-se) e acabou por governar seu Estado miserável. Olhava tudo por cima: fome matando alguns, doença dizimando outros, ele em férias nos paraísos do mundo, mãe e pai desparecidos da memória, enterrados. Um dia acordou com manchas de sangue nas mãos. Elas nunca mais saíram dali. O tormento aumentou e ele renunciou a tudo. Se escondeu numa praia quase deserta. Caminhava e pensava em tudo o que fez. Não sentia remorso, apesar da dor que a maioria das coisas lhe causava. Numa manhã viu algo escrito na areia. Leu e ficou feliz: “Na política só há um verdade, mas nenhum político sabe qual é”. Convencido, voltou à vida pública.

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