20:15ZÉ DA SILVA

Invadi mesmo! E daí? Ninguém manda em mim. Nasci no breu. Pai e mãe pra mim é conto de carochinha. Cortaram o cordão com canivete enferrujado. A manjedoura era saco de lixo preto. Terreno baldio. A minha turma era a da cachaça e marafa. Fui criado assim, por muitos deles, esses dos terrenos baldios, marquises, casas abandonadas, lixo, ratazanas. Teve leite sim. O que sobrava nos lixos. Rebotalhos humanos são meu parâmetro. Talquinho? Aprendi depois que era o mesmo que farinha, brilho, branca. Não posso reclamar. Não morri. Um dia enfiaram um dedo embebido na minha boca. Álcool puro. Me acostumei, assim como ser olhado de cima e ter vontade de dizer que todo mundo tem cu e caga fedido. Fui chutado, cuspido. Tentaram colocar fogo no meu barraco. O meu barraco sou eu mesmo. Foi ele que invadi pensando nessa porra de mistério da vida. Por isso peguei o bosta que quis me queimar e fiz ele beber toda a gasolina que sobrou. Não sei se morreu. Se foi para a caixa prego a culpa é de Deus. Eu só encaminhei. Agora sei muito e aviso: nãoi cheguem perto da minha propriedade particular.

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