21:04ZÉ DA SILVA

Não escrevo cartas. Não tenho costume. Recebo algumas. Sempre da mesma pessoa. Ele é um anjo, poeta e tem esse maravilhoso costume. Manda pelo correio, mesmo morando na mesma cidade. Escreve em catálogos de exposições, capas de disco, propaganda. Eu nunca escrevi de volta. Não sei explicar. Às vezes telefono e digo que recebi. Não comento o que ele descreveu. Porque ele descreve o cotidiano simples como poesia. Pode até dizer que vai comer um bife acebolado, mas o faz com tanta singeleza, que a carta vem com cheiro. Quando comecei a escrever para sobreviver, foi um espanto para mim. Nunca tinha escrito nada antes – nem bilhete para namorada. Uma vez escrevi uma carta para meus pais. Eu já estava dobrando o cabo da boa esperança quando descobri o quanto eles foram importantes pra mim. Anos depois de eles terem morrido, resgatei aquele papel escrito em máquina de escrever e com letras vermelhas. Sobre elas minha mãe fez a declaração nunca falada: “Eu te amo, meu filho”. É meu tesouro.

Compartilhe

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.