7:01As cartas de Albino

por Célio Heitor Guimarães

Depois do texto do Rogério Distéfano (“No mato sem cachorro”), publicado aqui no domingo, nada mais há para ser falado a propósito da situação político-administrativa do Brasil. Rogério esgotou o assunto de tal maneira que o que mais se disser será inócuo e dispensável.

Dilma cada vez mais suja e enrolada, Temer cada vez mais envolvido com a bandidagem política. Nova eleição? Para eleger quem? Marina? Um Jânio Quadros sem as taras. Aécio? Queimado. Serra? “Afogado como um carro a carburador”. Os militares (Deus nos livre!)? “Ainda não purgaram o veneno getulista”.

E nós? “Estamos no mato sem cachorro, a espingarda sem munição”…

Rogério atinge o núcleo da ferida: “Nunca estivemos tão sem alternativa”.

Se você é religioso, leitor, reze; se não é, chore. De minha parte, lembro-me, com profunda tristeza, das cartas de Albino Forjaz de Sampaio, da Academia das Ciências de Lisboa, publicadas em “Palavras Cínicas”, editadas pela livraria carioca H. Antunes, nos idos de 1936 e mais atuais do que nunca, das quais extraio alguns trechos:

Da Primeira Carta: “Aqui, para triunfar, é preciso ser mau, muito mau. Sê mau, cínico, hipócrita e persistente que vencerás. Serás aclamado, respeitado, invejado. Ri do Bem e da Virtude, da Alma e do Sentir. Ri de tudo, que é preciso que rias. Abafa um protesto com um sorriso, uma agonia com uma gargalhada, um estertor com uma praga.”

“Não ames nem creias. Todo homem que ama é homem perdido e todo aquele que crê nunca será ninguém. (…)

“Lembra-te que o ódio dá mais prazeres que o Amor.

“Se és bom, serás ridículo; se és mau, serás temido.

“Ou serás vencido ou vencedor. Se vencido, esperam-te todas as humilhações, desde o desprezo até a compaixão. Se vencedor, todos os triunfos, desde o respeito ao Capitólio.”

Da Quarta Carta: “Aquele monte é a Ambição de subir, de que fala Vieira. Atrás, pela riba acima, numa escalada vertiginosa, aparece uma maré cheia de cabeças ululantes, estranguladas pela ambição, gente correndo, empurrando-se, pisando os que ficam, agarrando-se de pés e mãos, como se após viessem também correndo numa perseguição fantástica as ondas de um novo dilúvio.

“Todos daquela multidão ávida querem ser os primeiros.  (…)  O caminho que na vida leva ao triunfo é uma cena medonha que mais parece a fuga de uma derrota.  (…) Não há trégua, mas há descanso. Cada um vigia sempre o seu vizinho, espreita se ele cai e tripudia, espreita se ele sobe e inveja-o.

“Por cada um que tomba, avançam mil. Trava-se um combate em que o mais cruel, o mais forte, o mais canalha, é o que triunfa. Nada de piedade nem de compaixão. Se não esmagares, serás esmagado. Não há tempo de olhar, nem de pensar sequer. Avançar, seja como for, custe o que custar.”

Da Última Carta: “Andei todos os pontos cardeais da Vida. Conheço todas as falas, sei a forma por que se é canalha em todas as línguas. Subi onde podia subir, desci aonde não podia descer mais. Sei o preço por que um homem se vende e uma mulher se despe em todas as moedas.

“Do meu nome não sei. Sou pária eterno, o eterno sofredor, o que padece, o que odeia. Sou só no mundo e abandonado. Não conheço dedicações, nem carinhos, nem amores. E, como eu, há milhares de criaturas para quem o céu é ermo, a terra é erma, é ermo o mar. Envelhecem entre a multidão com o seu rancor de famintos e oprimidos.

“Vi como sucumbem os valentes e como morrem os covardes e achei em ambos a mesma morte. Vi que tudo era pó e nada mais.

“Vi que a vida era má e escrevi estas cartas. Se as leres no meio de um festim, as porás de parte com enfado, mas buscarás a tua consolação quando o mundo te fizer chorar.”

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