6:50Dividir para conquistar

por Yuri Vasconcelos Silva 

Mesmo que o arco-iris apresente todas as matizes de cores legíveis aos olhos, muitos identificam apenas dois tons. O negro e o branco. Nascem com alguma debilidade mental e da alma, onde qualquer apreciação que ultrapasse duas variáveis se torna uma julgamento confuso, impossível. Este ser é simplista por natureza. Ofereça mais que duas opções ao sujeito, e um curto circuito é experimentado por ele dentro de sua caixinha de neurônios. Desta forma, o mundo é largamente definido em apenas duas grandes caixas rotuladas. Todas as infindáveis sutilezas entre o preto e o branco são raramente percebidas. Esta tarefa cabe, quase sempre, à boa ciência ou arte.

Direita e esquerda. O pobre e o rico. O honesto e o corrupto. O bem e o mal. Deus e diabo. Homem e mulher. A divisão em dois surge o tempo todo, desde tenra idade. Ainda sem conhecer o mundo, apenas o sentindo, uma criança rapidamente nos mostra aquilo que gosta e o que repudia. É deste automatismo dual que brotam as respostas de ódio que permeiam a sociedade desde que o primeiro bicho unicelular do planeta resolveu se bipartir. Dividir para conquistar faz sentido. O mundo dividido em duas metades é cinquenta por cento mais digerível. Entender todas as matizes da personalidade do outro é penoso. Mais fácil adorá-lo ou odiá-lo. É necessário apenas construir uma justificativa para dispensar o pobre coitado na caixa adequada. E, olhando de longe, parece que as de repulsa são as mais cheias. Odiar é uma tendência mais interessante, do ponto de vista operacional, já que a compreensão e a empatia demandam mais energia.

A origem deste mal está na equivocada concepção de que o outro está completamente separado do eu. Se a percepção de tudo que está fora de nossa pele parece estar além de nosso domínio, surgirá todo tipo de dualidade que se ramifica a partir da aversão ou do desejo. Desta forma, criam-se esperanças ou medos em relação à todo fenômeno externo, e passamos a julgar tudo como se olhássemos através de uma janela. Na realidade trata-se de um espelho. Tentar compreender por que a outra pessoa é desprezível a mim pode ser uma aventura corajosa por mares desconhecidos e destino incerto. Um porto de partida possível é colocar-se no universo do outro e enxergar o mundo a partir da perspectiva dele. Este exercício pode ser doloroso, mas muito revelador. Especialmente quando vem à luz que o mais odiado no mundo externo está na verdade incrustado nas fundações do que somos.

*Yuri Vasconcelos Silva é arquiteto

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Uma ideia sobre “Dividir para conquistar

  1. Ticiana

    Belíssimo, simples e inspirador texto, Yuri. Mas fiquei apenas com uma dúvida: o ‘porto’ de partida é porto mesmo ou foi um erro de digitação, no que seria ‘ponto’? Se for porto mesmo, vou me permitir a audácia de considerar que você escreveu este texto para mim, pois marinheira sou e quando leio seus textos, navego por linhas que demonstram o tamanho e profundidade de seu conhecimento. Admiro muito isso em você e espero que continue sempre compartilhando essa sua preciosidade.
    E se for ponto, digo:
    – Pronto. Isso não tem importância.

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