21:22ZÉ DA SILVA

Meu nome não interessa. Sou do mundo. Mulher. Velha. Moro sozinha. Nunca casei. Não tenho família. Quando me dei conta, era sozinha. Se fiz por mim mesma. Quem disse isso? Errado, mas bonito. Moro num sobrado. Caindo aos pedaços. Tenho quase noventa anos. De uns tempos para cá, começou a dificuldade. De andar. O banheiro era perto do meu quarto. Andar de cima. Passei a dormir na sala. Por causa dos ossos. Fracos. Escada longa. Pulmão fraco. Toda madrugada o relógio biológico funciona. Acordo para o xixi sagrado às 2h34. Fazer onde? Nunca gostei de penico. Tenho um balde. Comprei um assento de privada que encaixa na boca dele. Beleza. Acolchoado. No dia seguinte, despejo no tanque. A água limpa tudo. Isso foi até a noite em que, sentada, pensando na vida, despenquei. Me quebrei toda. Passei a madrugada gemendo baixinho. Ainda bem que tinha diarista ao raiar do dia. Estou no hospital. Aqui faço na tal de comadre. Boa ideia. Se sair viva.

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