14:06Proust no bufê

por Rogerio Distefano

Aos nove anos, esperava o sábado para fugir à vigilância de tios e avós, cruzava a linha do trem e ia comer o pastel da feira. O sabor do recheio e a textura da massa ficaram na memória gustativa desde que deixou a cidade. Avós e tios se foram e a cidade ficou para trás, nem sabe se a feira ainda existe. Nos quarenta anos seguintes consumiu toneladas de pasteis, em feiras, pastelarias, em casa, sem jamais resgatar o sabor, indescritível pela limitação das palavras, nem saberia descrever o recheio. Dia destes aportou ao bufê a quilo, ali a bandeja dos pastéis. Conferiu, mordeu, aspirou, deixou que o paladar avaliasse qualidade e temperatura. Ressurgiram vivos sabor e aroma da infância, com o recheio, levemente úmido, na carne moída um mínimo de tomate picadinho e salsinha. A massa, leve, fresca, crocante.  Aos cinqüenta e muitos reviu-se fugindo da casa dos avós, a cruzar a linha do trem, no reencontro com o pastel perdido.

Compartilhe

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.