13:14No país do faz de conta

por Ivan Schmidt 

Como em outros momentos da história política do Brasil a chamada intelectualidade está dividida em grupos que se manifestam a favor ou contra o impeachment da presidente Dilma Rousseff.

Ambos os lados contam com nomes de grande expressão popular e sucesso inegável no largo espectro das artes em geral, e não são poucas as manifestações quer pessoais ou coletivas em defesa de seus pontos de vista. Há também em ambos os lados os que preferem olhar a briga de cima do muro, o que acaba sendo uma posição bem mais confortável.

Há alguns dias, no Rio de Janeiro, artistas de vários naipes se reuniram para uma manifestação em defesa da democracia (leia-se governo Dilma), segundo eles conquistada a duras penas e, por isso mesmo, um valor muito caro para ser desperdiçado de uma hora para outra.

Nada contra manifestações que consagram a liberdade de opinião, aliás, elas são e serão sempre bem-vindas. Contudo, não se pode esconder que as pessoas reunidas na citada manifestação acabaram passando a falaciosa impressão de que a democracia começou no Brasil no ano de 2002, quando Luiz Inácio Lula da Silva foi eleito para seu primeiro mandato presidencial.

O fato remete à fábula atribuída ao imperador chinês que ordenou a queima de todas as bibliotecas do país, a fim de que o povo se convencesse que a história principiava com ele.

Ora, tal afirmativa é de uma falsidade histórica colossal, porquanto lança na vala comum dos contrários à democracia, dando de barato, todos os governos que se seguiram ao ciclo dos generais presidentes. Não falemos dos governos anteriores ao golpe de 1964.

Indo direto ao assunto, é como se o revisionismo tão em moda nos tempos atuais criasse uma fantasia sem o menor lastro de verdade, para dizer que José Sarney, Fernando Collor, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso passaram pela presidência da República com a Constituição empoeirada e trancada na gaveta. Mais falso que isso somente uma cédula de três reais.

Todavia, essa divergência de opiniões, sobretudo, em momentos delicados como os atuais é perfeitamente aceitável. Afinal, nem todos pensam da mesma maneira e têm o direito de defender suas ideias desde que o façam sem agredir a inteligência alheia.

Para lembrar um exemplo histórico desse confronto de intelectuais em face de posições ideológicas antagônicas, é instrutiva a digressão sobre o clima vivido por intelectuais franceses, especialmente em Paris, durante a ocupação das forças nazistas durante a Segunda Guerra Mundial.

Enquanto muitos escritores, jornalistas, teatrólogos, cineastas, pintores e músicos, ferrenhos opositores do nazismo buscaram o refúgio da clandestinidade como militantes da Resistência, escrevendo e imprimindo revistas e jornais, outro tanto se vergava ao colaboracionismo do governo de Vichy chefiado pelo marechal Pétain.

A linha dura imposta pelo marechal tocou em judeus, homens de esquerda, refugiados, professores universitários, filósofos e historiadores, alcançando também o cidadão comum.

O escritor norte-americano Dan Franck no fascinante livro Paris ocupada (L&PM, RS, 2015), descreveu em pormenores como viveram e reagiram figuras importantes como André Gide, André Malraux, Picasso, Paul Nizan, Jean-Paul Sartre, Simone de Beauvoir, Drieu de La Rochelle, Raymond Aron, Merlé-Ponty e tantos outros intelectuais e artistas, que marcaram a intelectualidade francesa como libertários e colaboracionistas.

Diz ele que o decreto inquisitorial de Vichy obrigou funcionários e profissionais liberais a assinar um papel “em que juravam não pertencer à raça judaica nem a uma sociedade secreta”.

O comando nazista na França ocupada logo passou a lançar os tentáculos sobre a vida intelectual, objetivando a promoção do que entendiam ser literatura sadia. Apareceu a chamada Lista Matthias contendo o nome de notáveis escritores e sumidades, cujas obras obteriam facilidades de impressão e distribuição apesar das dificuldades no fornecimento de papel.

A turma do outro lado se virava como podia datilografando e reproduzindo boletins e comunicados em mimeógrafos, não raras vezes pertencentes a repartições públicas que chegavam a ser desmontados peça por peça e levados a locais secretos. Viva a resistência!

De volta à realidade brasileira não há qualquer legitimidade em afirmar que Lula ou sua sucessora tenham menosprezado os princípios da democracia. O problema é outro. Trata-se do incomensurável caudal de atitudes permissivas e irresponsáveis que culminaram com o aprofundamento da prática de corrupção com dinheiro público, visando adubar o projeto de perpetuação no poder.

O ex-deputado Roberto Jefferson que está de volta à ribalta reassumindo a presidência do PTB, após ser libertado da pena recebida no processo do mensalão pelo indulto natalino, revela explicitamente não ter hoje a menor dúvida sobre o integral conhecimento do então presidente Lula, de como funcionava o sistema de desvio de recursos das estatais — via empreiteiras de serviços públicos – grana viva que chegaria fatalmente à tesouraria dos partidos, especialmente o PT, sob o rótulo farisaico de  doações legais aprovadas pela Justiça Eleitoral.

Jefferson reitera também a convicção de que já na fase do mensalão a maior parte dos recursos repartidos entre a patota era drenada de obras faraônicas contratadas pela Petrobras, informação corroborada pelos depoimentos e delações premiadas dos empreiteiros hospedados no resort da Polícia Federal em Curitiba.

Portanto, alegar que o impeachment da presidente da República é um golpe contra a democracia é fazer de conta que vivemos num país com inflação zero, com renda per capita anual de 50 mil dólares, PIB em contínua ascensão, dívida bruta ladeira abaixo, aposentados e mães felizes nas filas de atendimento dos postos públicos de saúde, cidadãos indo e vindo com absoluta segurança e crianças sendo instruídas para a vida por professores bem pagos e idealistas.

Como apregoa uma emissora de rádio que “em vinte minutos tudo pode mudar”, exatamente às 8h55 da manhã desta sexta-feira (15) terá início o período crucial de três dias em que o plenário da Câmara dos Deputados decidirá se o processo de impedimento da presidente seguirá para o Senado ou para o tubo do esquecimento, conforme a tirada genial de George Orwell.

Estima-se que por volta das 22 horas de domingo (17) o presidente Eduardo Cunha abra os números registrados no painel de votação da Câmara, e a massa de 70% de “golpistas” saia às ruas para soltar o grito de júbilo pela retomada do caminho do desenvolvimento com base na regeneração da política, no trabalho honesto e na distribuição da riqueza para todos.

Compartilhe

7 ideias sobre “No país do faz de conta

  1. TOLEDO

    Sr. Ivan, a sua idade nos faz o respeitar, mas já as suas idéias são suas e não temos o porque concordar. A sua experiencia de vida e o seu entendimento dos fatos não lhe faz dono da verdade. Estamos nesse impasse por conta da ação do Juiz Sergio Moro que assumiu para ele a responsabilidade de tentar destruir Lula , Dilma e o Partido dos Trabalhadores. Espero que domingo, se tivermos cadaveres, o senhor divida com o Sr. Moro ( ganha 80 conto por mes) a responsabilidade. Quem sabe o senhor poderá ser ministro da Republica do Moro e dos Curitibocas.

  2. Sergio Silvestre

    Como é que é,os 70%de golpistas saem pelas ruas soltando foguetes e também ressocializados????????
    Depois de anos conspirando roubando os celerados vão dar um grande desenvolvimento ao Brasil?
    Vão sair pela porta da frente tranquilos ,calmos,serenos ou gritando fora Lula,Fora PT,fora pobres,fora negros,fora bolsa família.
    E dai ,vocês não pensaram no efeito colateral?Lá fora terá centenas de milhares de pessoas que vão fazer um corredor polonês para os honestos e laboriosos deputados passem e sejam saudados.
    Não vai ter nada disso,o Pais vai parar,as estradas vão ser bloqueadas,as cidades grandes vão virar um caos,e isso não se sabe quanto deve durar,acho até que nossa democracia foi pro vinagre,o presidencialismo também,ninguém mais vai ter segurança jurídica estando no poder,o nosso supremo é mesmo acovardado,e nada que se faz nesse Pais que sobe até o supremo perfila,ali morre como morreu os processos do Bandido Maluf.
    OS 70% DE NOTÁVEIS E PROBOS DEPUTADOS JUNTO COM CÚNHA E TEMER VÃO DAR AO BRASIL DESENVOLVIMENTO,MEU DEUS.

  3. Célio Heitor Guimarães

    Meu caro Toledo: para dizer o mínimo, você, com todo o respeito, é um pândego.

  4. Ivan Schmidt

    Sr. Toledo, ainda bem que estou entre os que respeitam as opiniões contrárias e a liberdade de expressão, conquanto não agridam a inteligência alheia. O que o senhor escreveu sobre o juiz Sergio Moro e a intenção dele de destruir Lula e o PT é de uma inconsistência sem igual. Quanto à indicação de meu nome para um ministério na República do Moro, infelizmente não daria pé em face da aposentadoria compulsória. Mas, me sentiria gratificado em dar alguns palpites em setores de recrutamento de profissionais talentosos (o que não é seu caso) para colaborar com o governo. Como sempre faz o Zebeto, nosso guru, hihihihihihihihihihihi…

  5. leandro

    Nossa que medo ! Nem você Toledo acredita na defesa da Dilma. Só para que eu que sou menos qualificado do que você, me explique: Quais são as prestações de serviços que o governo recebeu dos bancos oficiais e como diz o ministro não caracteriza operações de crédito.
    Quais foram esses serviços?

  6. TOLEDO

    A nossa elite, respeita a liberdade de opinião desde que não mude o seu status. Vão fazer serenata para o Moro coxinhas. Mas os curitibocas são assim mesmo. O Leandro, agora, diz que não votou no Piá de Prédio, são só amigos de sauna. E o Ivan deve ter feito consignado, mas não conta nem para os netos. O juiz Sergio Moro é o grande responsavel pela situação que esta o País. Tomara que não tenha mortes.

  7. TOLEDO

    Sr Célio Heitor Guimarães, na minha idade, me chamam as vezes, de viado, mas não de corno, agora um Petista ser chamado de Pandego, é uma honra.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.