11:11Democracia e Laxante

por Rogerio Distefano

O Brasil está maduro para o parlamentarismo. Perdoem, maduro nunca será bem aplicado para nós, vamos do verde para o podre, direto.  Alguns atribuem a Freud, a frase profética “os Estados Unidos saltaram da barbárie para a decadência sem passar pelo intervalo da civilização”. Nosso país não tem tanta pretensão. Realistas, temos barbárie e decadência ao mesmo tempo. Civilização? Ora, se os EUA com tudo que realizaram estão longe dela, vamos esquecer, já prescreveu nosso direito.

Podemos remediar aquilo que mais nos aflige, esta crise do governo Dilma. Sim, a crise do governo Dilma, que retarda nosso passo de tartaruga, o devagar-quase-parando. Vamos identificar as causas de nossos males – se não todas, pelo menos a imediata, a que explodiu com Dilma. Nada de ir ao passado, aquilo de os portugueses terem despachado delinquentes para colonizar o Brasil. Fosse assim, a Austrália seria igual, também colonizada por criminosos.

Não tomo partido entre Dilma e Temer, coxinha e mortadela (aliás, a mortadela Ceratti com manteiga e pão francês derruba a melhor coxinha de frango), golpe de estado e respeito à constituição. A questão é outra, presidencialismo ou parlamentarismo. Nosso presidencialismo faliu. Parlamentarismo tivemos num espaço insignificante entre a posse do vice João Goulart como presidente e o referendo que restabeleceu o presidencialismo. E este levou a crises e ao golpe de estado de 1964.

Dizer que houve parlamentarismo no Império é falso. O Império, como o Brasil em quase tudo, foi puro sincretismo. Tínhamos um presidente vitalício, D. Pedro II, que escolhia primeiros-ministros entre dois partidos. Quando cansava de um, derrubava seu governo, escolhia outro primeiro-ministro, cujo partido vencia as eleições e fazia maioria no parlamento. Não era o partido vencedor das eleições que fazia o primeiro-ministro e seu gabinete. Era o primeiro-ministro escolhido que fazia o partido vencedor, depois de escolhido pelo imperador.

Depois veio a república, o sistema de partidos. Partidos políticos, como núcleos ideológicos e proposta de estado, nunca tivemos. Temos núcleos de interesses e propostas de negócios.  Os partidos estão aí desde o Império, montam-se e se desmontam a cada momento. Então é melhor aceita-los como fato consumado. No entanto, por piores que sejam, os partidos funcionariam melhor no Brasil parlamentarista que no presidencialista. Porque ficariam expostos.

Nosso presidencialismo joga tudo em cima do presidente. Ele tem que negociar apoios – ou vender e comprar, aqui dá no mesmo – para ser candidato; eleito, tem que negociar cargos, entregando nacos rentáveis do governo para seus apoiadores saírem do prejuízo das campanhas – ou pagar os financiadores; quando estoura o escândalo, é ele, presidente, quem paga, será processado ou impichado. Já os políticos que o ajudaram na confusão, escapam, refugiando-se nas alianças de ocasião, salvos condutos para não afundar com o presidente.

No parlamentarismo quem governa é o gabinete, extraído no parlamento, chefiado pelo líder do partido, ou de partidos em aliança (o modelo possível no Brasil com essa cornucópia de legendas), majoritários. Os atos do gabinete são discutidos e postos em cheque diariamente no parlamento, vitrine translúcida do governo. As crises resolvem-se pelas mudanças de governo, não pelo impeachment – ou golpe de estado, no léxico do petista desconhecido. Estamos maduros para o parlamentarismo.

O parlamentarismo, se vier, terá seus heróis. Faça-se-lhes justiças, ainda que a Justiça nunca os alcance. Lula, Dilma, Eduardo Cunha, as empreiteiras, o PT, levaram o Brasil ao fundo deste poço. Ia esquecendo o juiz Sérgio Moro, jamais em demasia enaltecido e que deve continuar a fazer justiça dentro da Justiça. Temos apenas um problema com o parlamentarismo: o PMDB. Essa hidra de milhares de serpentes na cabeça fará o primeiro, o segundo e o último gabinete parlamentarista. Até produzir a crise que fará retornar o presidencialismo.

Que fazer? O parlamentarismo com o PMDB será de novo a aplicação do axioma de José Sarney. Nosso grande pensador, romancista, acadêmico, presidente de executivo e legislativo, pai de resistente cepa de políticos, peemedebista de penúltima hora e aliado de Lula/Dilma até (quase) o apagar das luzes, dizia no passado que o Brasil devia deixar Lula passar pela garganta, o Brasil teria que o engolir como prova de maturidade democrática. Foi engolido e dificilmente será expelido. Paciência, democracia é como laxante, pode nos purificar.

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