20:25ZÉ DA SILVA

O fato de saber que é impossível ouvir alguém quando se está mergulhado no nosso próprio mundo das sombras deve ser mais um pecado a pagar quando você, mais tarde, pelo menos abriu um pouco a porta para enxergar que a grama do jardim, mesmo com as ervas daninhas, é linda demais – e muito boa para se pisar, principalmente depois da chuva e se não houver cachorro em casa. O que se deve fazer é tentar, quando quem está onde você esteve é sangue do sangue, ou um amigo que de repente se viu mergulhado e visitando as catacumbas labirínticas. As palavras muitas vezes servem para a melhor coisa, que é fazer o outro falar, mesmo que se precise agarrar pelo pescoço, para que ele olhe nos nosso olhos, para que sinta a força que sempre esteve lá e foi redescoberta, mesmo depois de décadas no purgatório da vida anormal. Sim, porque o que a gente quer dizer, mas é difícil, é que não nascemos assim. Fomos crianças, e mesmo com famílias complicadas, separações traumática, cenas feias, pais perdidos, nós, as crianças, sentimos a vida como ela é – e isso podemos constatar nas fotografias que, mais velhos, olhamos com o maior prazer –  mas só quando estamos bem. No buraco não olhamos nada – e se isso acontecer, nos perguntamos: “Eu estava rindo de que se minha vida é essa bosta?” Dizer o não para isso, ou seja, para este estado de sentimento aterrador e paralisante, é uma das coisas mais difíceis e mais fáceis. Porque um lado está ao lado do outro. Saber que existe a luz é o começo do fim das trevas. É o que venho tentando fazer desde que olhei pela fresta da porta, com ajuda daqueles que tentaram, tentaram e um dia eu ouvi.

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