por Zé da Silva

No bairro que ficou metido a besta, com riquinhos de queixo pra lua, a mercearia da esquina se manteve do jeito de sempre. Ao lado tinha um barbeiro do tempo antigo, sem mudança na placa para cabeleireiro. Dava para tomar uma cachaça num cantinho do balcão, escondido – e se tivesse com a grana, comer cubos de mortadela no palito com limão espremido em cima. Uma caderneta anotava os gastos dos confiáveis do bairro. A maioria deles ficava ali na frente, na calçada grande, aposentados  jogando conversa fora, contando sobre  tempo em que se amarrava cachorro com linguiça. Coisa sempre boa ou engraçada, porque o passado a gente edita, como disse Armando Nogueira. Política, futebol e mulher. Uma briga ouvida na casarão da esquina. Olha lá a menina grávida! Quem será o pai? Um dia o dono daquele pedaço foi embora, assim, de repente. Logo depois as portas de aço desceram para nunca mais  se abrir para aquele mundo encantado. Os que ficavam ali o dia inteiro se fecharam em suas respectivas casas. O bairro, que vinha ficando cada vez mais asséptico com a construção de casarões habitados por desconhecidos que ninguém via a cara, perdeu o que restava de vida. O barbeiro também foi embora. O silêncio se instalou naquela esquina. Até o dia em que começaram a demolir as paredes. Na casa simples que ficava bem em frente, do outro lado da rua, alguém abriu a cortina para olhar. O choro foi abafado pelo som das marretas.