15:53Alguma atitude

por Janio de Freitas

“Acabou-se o comércio de ministérios. Todos serão ocupados por especialistas da respectiva área. As exigências de certos núcleos partidários ultrapassaram os limites da política. A convivência harmoniosa entre entre os Poderes, determinada pela Constituição, foi rompida pela tentativa daqueles núcleos de ocupar o governo, de dominar o Executivo. Se quiserem me derrubar por esta decisão, podem fazê-lo. Mas fique o país ciente de que o governo só voltará a ter políticos no ministério quando as relações voltarem a ser normais. Sem tentativas de imposição, em plenas condições de respeito mútuo e de lealdade à democracia e ao bem do país e seu povo.”

Uma atitude de dignidade. Política e pessoal. No Brasil, gestos de dignidade não são considerados inteligentes. Na melhor hipótese, são vistos como temperamentais. Mas atitudes de dignidade não precisam ser inteligentes, basta-lhes a dignidade. E, se temperamentais, não têm por isso menos dignidade.

Em seguida, uma crise aguda com o Congresso. Rápida, como a labareda de uma bomba que logo se extingue. Congressos só enfrentam o clamor externo em raridades históricas. Clamor, no caso, de adesão a uma atitude coincidente com o repúdio, unânime no país, aos métodos predominantes na política.

Até onde Dilma Rousseff continuará cedendo, sujeitando-se aos que, quanto mais entregue se mostra, mais entrega exigem dela? E recebem.

“Negociações” por apoio no Congresso em troca de ministérios já eram espúrias. Nem “negociações” são mais. O que resultou das tais “negociações” foi, primeiro, um governo apenas em parte, a parte não originada desse tráfico. Depois, um arremedo de governo, com seu plano econômico primário sob bullying dos aliados hipócritas e dos oposicionistas, na Câmara. Pressente-se o que será agora. Nem é preciso ver as fichas de toda a nova leva dos arrivistas ou sondar-lhes as intenções ministeriais: são conhecidas por antecipação, desde que se sabe como e por que chegam às altitudes do governo.

É necessário que Dilma Rousseff cumpra o seu mandato integral, porque a interrupção, qualquer que seja a sua forma, transformará a crise em explosão irradiada. É o que asseguram as condições sociais e econômicas deste país em que não se vê, nem ao menos se vislumbra, sequer um grupo com capacidade e sob liderança à altura dos problemas atuais, quanto mais de uma tormenta.

Mas ser presidente só para se pensar presidente? Dilma está se deixando levar, e vai também por passos próprios, para muito perto de humilhações. A continuar a situação no caminho em que está, é bem mais provável que Dilma Rousseff chegue a esse território do que à recuperação do governo e do país ainda no seu mandato, como diz crer.

Por seu passado e pelo que se supunha ser a sua personalidade, de Dilma Rousseff se esperava mais coragem, a coragem do rigor, do que seus antecessores recentes demonstraram. Não é só falta de traquejo e criatividade política que tem faltado. O jogo está desaforado demais para ser recebido com tanta passividade, em nome de imaginada compreensão e responsabilidade que o negocismo político não tem e não quer ter, porque incompatível com seus propósitos.

A dignidade pessoal de Dilma Rousseff não foi posta em questão, no seu descenso político. Já passou da hora de afirmá-la de algum modo, seja qual for.

*Publicado na Folha de S.Paulo

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