12:53Millôr Fernandes

“A Justiça pode ser cega; mas que olfato! Di$tingue classes $ociais a quilômetros de distância”

“Generalizando-se a corrupção, restabelece-se a Justiça”

“A Justiça farda, mas não talha”

“Justiça: Sistema de leis legalizando a injustiça”

“A Justiça é cega, sua balança desregulada e sua espada sem fio”

1. Não há lei moral. Há lei. E há moral. Duas coisas distintas. Conflitantes.

2. Perjúrio – O que o advogado comete o tempo todo, mas em linguagem jurídica. Se apanhado, pode negar tudo em linguagem igualmente jurídica.

3. Solicitador – Leigo capaz de colocar em termos claros a acusação ou a defesa num processo, para que, posteriormente, os advogados as tornem absolutamente ilegíveis. Bastando salpicar três data venia e seis avença.

4. Indenização – O que o queixoso recebe quando vence uma causa depois que a Corte, os advogados e a processualística levam todo seu patrimônio.

5. Multa – Dinheiro com que o Estado participa do mal ganho ou malfeito do acusado.

6. Res Ipa Locuta – O advogado hábil pode traduzir a frase de 12 maneiras. No fundo é apenas falou tá falado.

7. Lei – Livro de regras de sentido impreciso, portanto interpretáveis das mais diversas maneiras. Pretende estabelecer definições absolutas para o Bem e o Mal, o Certo e o Errado, coisas que os filósofos tentaram através dos séculos sem chegar a qualquer resultado ou, pelo menos, acordo.

8. De acordo com a Letra da Lei – A expressão vem do respeito pela Lei Escrita, quando tudo era feito em belos textos cheios de iluminuras. Pode-se julgar pela letra da lei o que é uma besteira ou pelo espírito da lei que leva tantas vezes à justiça poética. Má poesia e péssima justiça.

9. Advogado – Sócio do crime.

10. Cidadão, neste país em que não há qualquer cidadania, passou a significar só cidade grande.

11. Direito de resposta. Princípio democrático fundamental. Senão a gente fica até pensando que o outro lado pode ter razão. P.S. Nunca neguei a ninguém o direito de concordar inteiramente comigo.

12. Testemunha ocular – Pessoa que mente com seus próprios olhos.

13. Defensor público – Se o suposto criminoso é tão pobre que não pode escolher (pagar) seu próprio defensor, o Estado lhe oferece um, gratúitis. Uma espécie de INSS da Justiça. Quem já tratou de um furúnculo nesta instituição pode imaginar o que é tratar de uma ofensa na outra.

14. O crime não compensa. Conceito hoje totalmente desmoralizado até pela ficção teatro, literatura, cinema. Na verdade só se pode admitir que o crime não compensa porque, quando compensa, muda de nome. P.S. O crime não compensa? E de que é que vivem carcereiros, policiais, fabricantes de cofres, advogados e juízes?

15. Formação de culpa – A culpa é proporcional à evidência. Se ninguém tomou conhecimento da falha, erro ou crime, a culpa se torna vaga, imaterial, menor. Ou inexistente.

16. Supremo. O melhor ainda é o de frango.

17. Supremo. Os juízes do supremo acreditam piamente que estão sentados à mão direita de Deus. Bem pagos, naturalmente.

18. Imposto & Culpa. Em todo o mundo, em todos os tempos, mesmo os cidadãos mais honestos não se sentem desonestos quando tentam fraudar taxas e impostos. Isso se deve à certeza universal de que todos os governos são impostores.

19. Imposto do solo criado. Estão nos ameaçando com mais esse imposto que nem eles mesmos sabem o que é. Depois, naturalmente, teremos a taxa da água imaginária e do esgoto suposto. Tudo isso, é claro, pra que o Estado ideal possa pagar a limpeza urbana fictícia, a segurança inexistente, o transporte ilusório e a educação quimérica. É por isso que eu digo; este é o país dos meus sonhos!

20. Contribuinte. Me arrancam tudo à força. Mas me chamam de contribuinte.

21. Comparação – Fala-se muito mal dos poetas. Mas o pior verso do pior poeta fez menos mal á humanidade do que o melhor parecer jurídico. Os profissionais da lei, pelo próprio conceito jurídico, quase sempre são malversadores.

22. Contraste Jurídico- Justiça tem a ver com a busca da verdade. Lei trata do comércio com a mentira.

23. Júri Popular- Grupo de pessoas que ocasionalmente a sociedade convoca para julgar o próximo. Os componentes do júri tomam conhecimento do réu e do malfeitor na hora, e devem ter capacidade de processar (no sentido computação) as mentiras mais espantosas e mais contraditórias. (1962. A máquina da Justiça)

24. Júri Popular II – Chama-se de Júri Popular um grupo de pessoas perigosamente próximas do banco dos réus.

25. A liberdade é apenas uma lamentável negligência dos legisladores.

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Uma ideia sobre “Millôr Fernandes

  1. José

    Por sua condição de festejado tradutor de Shakespeare, presume-se que Millôr Fernandes tenha pesquisado sobre a locução latina que dá mote ao item 6 da seleção aqui publicada (“Res Ipa Locuta”) . Deve ter havido, pois, um pequeno deslize de digitação (“ipa” em vez de “ipsa”) e possivelmente também a interferência de outro aforismo criado no tempo em que o Vaticano dava a última palavra sobre todo e qualquer assunto (“Roma locuta causa finita” – Roma falou, questão encerrada”). Digo isso porque a expressão correta, de invocação recorrente no âmbito universal do direito, é “Res ipsa loquitur”, cuja tradução literal há de ser “As coisas [em pauta] falam por si próprias” (nas publicações em inglês a tradução mais comum é “The thing speaks for itself”). No excelente Dicionário de Sentenças Latinas e Gregas (Ed. Martins Fontes, 1996), Renzo Tosi insere a expressão no tópico destinado à locução “Manifesta haud indigent probatione” (as coisas evidentes não precisam de prova) e alinha variações em que apenas o verbo “loquere” (falar) sofre substituição sem alterar a temática, como “res ipsa indicat” (“indicare” = denunciar, indicar), “res ipsa clamat” (“clamare” = clamar, proclamar). São congêneres ao tema parêmias como “Manifesta causa secum habet sententia” (a causa evidente em si mesma contém a sentença); “Nulla est maior probatio quam evidentia rei” (não há prova maior do que a própria evidência da coisa); “In claris non fit interpretatio” (dispensam interpretação as questões que se apresentam claras por si mesmas); “Res ipsa testis” (a própria coisa é testemunha).
    Dei-me ao trabalho de postar esse comentário por duas razões: 1) uma língua morta (no caso, o latim) merece todo o nosso respeito, não só porque somos, pelo idioma em que nascemos, descendentes diretos do “de cujus” como até mesmo em atenção à nova interpretação mais abrangente que hoje se dá ao crime de vilipêndio de cadáver. Não se trata, por exemplo, do curioso cinegrafista amador que filma uma pessoa em frangalhos, com os intestinos espalhados pela rua, olhos fora das órbitas e ossos expostos, mas de algo bem mais grave: o delito de construir em dialeto macarrônico a monstruosidade de um sintagma sem pé nem cabeça e apresentá-lo a milhões de indefesos leitores e seguidores virtuais como sendo um autêntico produto do Lácio culto e belo (rs rs rs); 2) e o segundo motivo é porque o Millôr, no final das contas, estava certo mesmo. De fato, um jurista hábil pode traduzir aquela frase de 12 modos diferentes, mas no fundo é apenas falou tá falado.

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