6:13A bandeira enxovalhada

por Ivan Schmidt

O objetivo dessas linhas não é o de forçar analogias, mesmo porque o tempo e os costumes são outros, incluindo a política, de onde extraio o material para construir um raciocínio lógico, minimamente inteligível.

Oitenta anos se passaram. Estou me referindo ao contexto político vivido pelo país por volta de 1935, cinco anos depois da revolução que entregou a Getúlio o absoluto domínio da nação e às vésperas da implantação do Estado Novo, que se prolongaria até 1945.

O então Partido Comunista tupiniquim fundado em 1928, agora atuava na clandestinidade, com a maioria de seus líderes na cadeia ou no exílio. O próprio Luiz Carlos Prestes, o Cavaleiro da Esperança, já estava morando há alguns anos com a mãe, dona Leocádia e quatro irmãs em Moscou, onde trabalhava como engenheiro numa grande empresa de construção civil.

O problema é que Prestes, embora se confessasse leninista não era aceito como membro efetivo tanto pelo partido comunista soviético quanto pelo brasileiro, que a ele torciam o nariz pelo fato de não ter rompido, ainda, com sua condição (a meu ver uma exigência estapafúrdia), de pequeno burguês.

O biógrafo Daniel Aarão Reis, referindo-se à experiência de Prestes em Moscou, comentou que mesmo se proclamando comunista “não podia continuar uma vida de militante sem estar inscrito num partido. Nada mais antileninista do que um comunista sem partido. Uma incongruência”.

No Brasil, ocorria o mesmo, porquanto os dirigentes do partido execravam (a expressão é de Aarão Reis) o chamado prestismo, temendo a aceitação tácita de Prestes nos quadros da agremiação.

“Era preciso encontrar uma solução para aquele impasse. Se os comunistas soviéticos não o aceitavam, e podiam ter suas razões para isso, então que encontrassem uma fórmula para convencer os brasileiros a fazê-lo. Mas o Partido Comunista no Brasil, entre 1930 e 1934, estava afundado numa crise continuada, uma temporada de oscilações bruscas”, escreveu.

Em poucos anos houve autêntica “dança” de dirigentes partidários, o cargo máximo na estrutura interna era o de secretário-geral, ocupado por curtos períodos por Astrojildo Pereira, Cristiano Cordeiro, Paulo Lacerda, Fernando Lacerda (tios de Carlos Lacerda), Mario Grazini e Leôncio Basbaum e vários outros militantes. Segundo Aarão “em cerca de cinco anos, onze dirigentes máximos… É possível imaginar os efeitos desagregadores da inexistência de direções legitimadas para um partido pequeno, clandestino, perseguido pela polícia, dilacerado por revisões políticas e crescente radicalização”.

A visão predominante logo identificada pelos praticantes de “revisões políticas” significou para muitos militantes a marginalização, quando não a exclusão direta daqueles simpatizantes “cujo maior pecado era ter nascido em berço burguês” conforme o biógrafo de Prestes, algo que diferia frontalmente da ânsia de proletarização do partido que apregoava a revolução mundial: “Os intelectuais eram obrigados a descobrir raízes proletárias”, lembrou Aarão, ao resumir de forma jocosa como se conduziu o processo de depuração: “Quando não havia essa possibilidade, o remédio era vestir-se mal e falar errado, como faziam, às vezes de propósito, dirigentes de origem popular. Alguns destes se compraziam, como Caetano Machado, em dizer, alto e bom som: “Detesto os intelectuais’”.

Em 1930, o partido comunista brasileiro não tinha mais de dois mil filiados, concentrados no Rio, Recife, Porto Alegre e São Paulo.  Apesar das prioridades definidas no II Congresso, em 1925, na capital paulista, na época o segundo maior centro industrial do país, havia entre trinta e quarenta militantes, quase todos intelectuais, desligados das bases operárias.

Para Aarão Reis o partido compensava sua fraqueza com uma retumbante retórica, o “verbalismo revolucionário”, no entanto, com resultados concretos desprezíveis.

É preciso um belo salto no tempo para chegar a 1978, precisamente ao mês de maio, quando irromperam as greves de São Bernardo do Campo. Diz Aarão Reis que “o caráter de massa do movimento, expresso nas assembleias multitudinárias do estádio de Vila Euclides; a combinação entre o recurso do sindicato e o exercício da autonomia; a localização estratégica das indústrias e das cidades alcançadas pela greve; as lideranças operárias emergentes, entre as quais se destacou Luiz Inácio Lula da Silva; a capacidade imediata de irradiação – por volta de dois meses e meio depois, meio milhão de trabalhadores, em cerca de 400 empresas em 18 cidades do estado de São Paulo, havia partido para a greve – todos esses aspectos tenderiam a modificar, e profundamente, as referências com que até então as forças políticas – de direita e de esquerda – vinham participando do processo político da abertura”.

Surgia na efervescência política então vivenciada no Brasil, a figura de um líder sindical no ABC paulista, o torneiro-mecânico Lula, operário da Aços Villares, logo eleito presidente do Sindicato dos Metalúrgicos local. E pouco tempo depois, coluna principal da fundação e organização do Partido dos Trabalhadores, o operário que chegou ao paraíso era cortejado por expoentes da cultura brasileira como Fernando Henrique Cardoso, Marilena Chauí, Francisco Oliveira, Frei Beto, Paul Singer e outros.

Depois dos dois mandatos de FHC (1994-1998 e 1999-2002), Lula chegou ao governo e o exerceu também em dois períodos (2003-2006 e 2007-2010), com a vantagem sobre FHC de ter levado no peito a eleição da sucessora Dilma Rousseff, atualmente na metade do primeiro ano do segundo mandato.

Pela primeira vez na história do país um partido proletário chegava à escala máxima de poder, a presidência da República e – glória! – na pessoa de um metalúrgico filho de retirantes nordestinos que havia chegado a São Paulo, vinte ou trinta anos antes, a bordo de um pau-de-arara.

Com o sangue da política correndo em cada uma das artérias, Lula aprendeu no chão da fábrica e nos conchavos da vida sindical (pouca gente sabe o que realmente acontece nos intestinos dessa excrescência gerada pelo Estado Novo), como sobreviver na intricada selva habitada pelos megaempresários paulistas, falando com eles cara a cara e a muitos tratando pelo nome próprio.

A analogia é pobre, por isso escrevi na primeira linha não ser esta a intenção do artigo. Mas, não custa lembrar. Ao contrário do partidão que nos anos 20 contava em São Paulo com um magote de filiados que mal lotavam um ônibus, na virada do século o partido que pintava como último bastião possível para a realização da revolução democrática e social (não socialista), que a nação esperava desde a frustrada Coluna Prestes, enfim, viu seu candidato à presidência da República botar pra escanteio  o oponente lançado pela legenda situacionista, portanto, o favorito.

Em meio a tal ascensão demorada, mas espetacular, todavia, o primeiro governo Lula começou a apresentar fissuras. O jornalista Zuenir Ventura, no livro 1968, o que fizemos de nós(Planeta, SP, 2008) diz que a maior decepção ocorreu “não só porque o PT supostamente encarnava princípios básicos de 68 – sobretudo a ética e o desprendimento cívico – como porque boa parte daquela geração – José Dirceu, José Genoino, Dilma Rousseff, Franklin Martins, Marco Aurélio Garcia – ocupava ou ocupa cargos importantes no poder”.

“Apenas dois anos depois, o STF aceitava a denúncia do procurador-geral da Justiça, Antonio Fernando de Souza, que classificava Dirceu como ‘chefe da quadrilha’ que  montou um esquema de compra de votos em troca de apoio no Congresso”, escreveu Ventura.

Seis meses foram suficientes para a derrocada da “quadrilha”, pois no dia 6 de junho de 2005, o deputado Roberto Jefferson levantava a lebre do mensalão, cujo efeito mais excruciante foi o afastamento de Dirceu da chefia da Casa Civil e a perda do mandato na Câmara dos Deputados pelo voto de 293 colegas, no dia 30 de novembro do mesmo ano.

O historiador lembra que o PT “dilapidou um patrimônio acumulado em um quarto de século de existência e que era um dos valores que a geração de 68 exibia como um tesouro: a ética”, assinalando com razão que “num país de corrupção endêmica, em que os escândalos políticos são uma tradição, o governo do PT conseguiu a proeza de atingir uma escala inédita, acompanhada de uma dose exagerada de cinismo”.

Parece retaliação, mas o que mais doeu na consciência cidadã foi a farisaica explicação que o partido, o governo e o presidente encontraram para justificar todos os ilícitos cometidos, ou seja, “fizemos o que todos os demais fizeram”.

Tragados pela história e avanço da prática política, que muitos consideram prejuízo incalculável para o país, quase todos os antigos líderes do Partido Comunista Brasileiro morreram pobres. Apenas um exemplo: os últimos anos de Prestes que deu a vida pelo ideal da revolução popular, descontado o ranço stalinista que fossilizou a ideologia comunista, foram passados num apartamento doado ou emprestado por Oscar Niemeyer, no Rio de Janeiro.

Os que empalmaram anos depois a bandeira petista, os espertalhões, é claro, hoje são todos milionários.

Compartilhe

7 ideias sobre “A bandeira enxovalhada

  1. Pingback: Solda Cáustico

  2. Sergio Silvestre

    Ontem passei por Imbituva,o dono da cidade estava ajudando enterrar o impeachment do governador dando seus palpites para os deputados estaduais e já sendo acho chefe da casa civil de fato.
    Logo depois passei pela Usina FOZ DO AREIA e vi como outros governadores com menos recursos na época faziam grandes obras.
    Quando o Smith fala em corrupção petista que acabou com sonhos de gerações e outros leros que quando é levado ao pé da letra a geração de 68 hoje são procuradores,juízes,desembargadores que tem salários que coram qualquer magistrado europeu ou americano.
    Temos uma casta politica escovada com 50 anos de idade que sá estão políticos para lesar,agredir o erário e dar benesses para aqueles que poderiam cassar ou prender ladrões de dinheiro publico.
    Qual a diferença de um Zé Dirceu para um Beto Richa,quem roubou mais ou menos,quem foi mais letal para as finanças que iriam beneficiar os pobres trabalhadores.
    Bandido que rouba é bandido,não se importa de que escala social é e de onde veio,se foi cagado por cegonha ou se foi nascido em Berço de ouro.
    Um monte de velhotes que antes eram comunistas começaram depois de velhos uma cruzada contra aquilo que foram no passado,e só ver nos portais seus salários que hoje ganham sendo aspones comissionados de governos que se nota o quanto são ideológicos.
    Esses bosta se esqueceram do seu ideal,se agregaram aos safados da politica do rendimento facil..da partilha vindos da corrupção
    Tinha um amigo de face o Nilson Monteiro, claro que me excluiu Londrinense ,que era esquerdista e a medida que foi envelhecendo foi para o centro e agora depois de velho deve ter entrado para os Tholes e está caçando aquilo que era no passado os velhos comunistas que sobraram

  3. Ivan Schmidt

    Ô Sérgio, não sei se o Nilson Monteiro vai te perdoar esta! Esquerdista arrependido e hoje assessor direto do governador — tudo bem — agora, afirmar qe o cara é velho, convenhamos, vai deixar nosso amigo puto da vida!!! Como sempre digita o Zebeto hihihihihihihihihihihi…

  4. Sergio Silvestre

    Confundi Bituruna por Imbituva,deve ser o barradão de água que ia despencar na serra.

  5. jose

    Zé Beto!!! Socorro!!!! A coisa tá tão feia que até o Sérgio Silvestre está escrevendo que o “guerreiro herói do povo brasileiro” é ladrão!!!!

    Jesus!!!!

    O que aconteceu????

    Só falta o Toledo assinar embaixo!!!!

  6. TOLEDO

    José, calma, que o Silvestre sabe o que esta dizendo. Frouxe a tanga, tire ela do rego.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.