12:09Crise, crises

por Janio de Freitas

Uma expressão tem sido frequente, com pequenas variações formais, a respeito da presente situação política: “Crise complexa”. Tanto serve para qualificar o endurecimento do jogo político, como a aparente dificuldade de destrinchar o seu emaranhado.

De fato, nenhuma das faces que compõem a situação é simples. Sequer no interior de si mesmas. Mas o conjunto oferece muita nitidez na delimitação dos campos alimentadores da fermentação.

Um desses campos é o Congresso, com a presidência de Eduardo Cunha na Câmara e, em menor grau, com a de Renan Calheiros no Senado. O primeiro emergiu de surpresa para o país, para o governo e até para o Congresso. E mesmo para a imprensa. Prevenido por tê-lo visto em atividade no Rio, tentei chamar a atenção para as características do emergente e para o que esperar dele, mas nem aqui entre jornalistas suscitei interesse pela novidade interferente.

Eduardo Cunha foi descoberto já por seu domínio de uma rearrumação perturbadora na Câmara e, com a força daí obtida, pela ação em duas linhas associadas. Uma, a bem-sucedida condução de temas polêmicos para fáceis aprovações. Outra, a hostilidade –prática e sem discurseiras de valentão– às iniciativas avulsas e ao “ajuste fiscal” de Dilma. Presidente, para ele, é outra pessoa: é Eduardo Cunha. E sabe como impor seus desejos e conveniência, incluído sob este domínio personalista até o PSDB, que se pretendia paradigmático da modernidade política e da capacitação.

Esse PSDB trouxe uma novidade não menos surpreendente que a de Eduardo Cunha. Inconformado com a derrota na eleição presidencial, Aécio Neves incentivou a bancada do partido na Câmara a uma combinação de irracionalidade e radicalidade cujo propósito, contaminando dentro e fora do PSDB, não é fazer oposição: é retirar Dilma da Presidência. Trata-se de um campo gerador de fermentação próprio do PSDB, não decorrente da reviravolta na Câmara por Eduardo Cunha.

A Lava Jato são duas: como ação policial/judicial e como ação política, esta como efeito da associação entre a primeira e meios de comunicação. É desnecessária qualquer observação sobre os reflexos da Lava Jato na política, no governo e na opinião pública.

Pior do que a fraqueza política do governo é se tratar de governo ruim. Pouco se salva na multidão de ministérios, e o que se salva ou está esquecido, ou está sob fogo do que sobra como base política do governo. Se não bastasse, o confuso e inconvincente “ajuste fiscal” é, sozinho, um fator de fermentação mais potente e geral do que os outros.

Mais do que uma crise bojuda, difusa, sem delimitações com razoável clareza para avaliação das forças, o que se tem é a simultaneidade de situações críticas. Não propriamente, portanto, uma crise complexa, caracterizada pela oscilação e o difícil dimensionamento de forças.

Na situação atual, o Congresso, que faz uma apelidada reforma política, está em crise de natureza: não corresponde ao que lhe prescreve a Constituição e não está a serviço da democracia.

O PSDB contribui para a crise do Congresso com sua própria crise de identidade. O Social do nome esvaiu-se com o desaparecimento de Franco Montoro e Mario Covas. O espírito de democrata, pelo visto, depende de vencer eleição. Mas, sobretudo, não guarda sequer vestígios disfarçantes quando invadido pela ambição de conquistar o poder sem eleição. A divisão é desequilibrada, mas no PSDB os irados não tomaram tudo, persistindo um quadro de crise ainda bem escondida.

Essas duas erupções críticas têm a mesma origem. A adoção da truculência anti-Dilma pelo PSDB e a difícil realidade do governo foram originados na decisão da própria Dilma de surpreender o país com a entrega da área mais decisiva do governo, a sua identidade, a Joaquim Levy. Isso imobilizou as forças de defesa que pudesse ter. Deixou-a mais exposta aos desejosos de derrubá-la. E alimenta o panorama de crise com o insucesso e o desagrado produzidos pelo “ajuste” de Levy.

Mas esta crise do governo é a única com potencial, se solucionada, de abafar, em parte ou no todo, a do Congresso e a guerra à condição de Dilma de presidente eleita.

*Publicado na Folha de S.Paulo

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