19:41Gestos

Do blog Cabeça de Pedra

Esticado no sofá ele olhou para os pés e descobriu, depois de velho, que fazia a mesma coisa que o pai. O pé direito passava por cima do esquerdo e nele se apoiava. Ficou ali olhando enquanto a televisão emitia sons sem interesse e a luz azulada iluminava a sala – e os pés. Estava descalço e, pimba!, olha lá os pés do pai, dedos compridos como os das mãos… Os das mãos? Certificou-se, com as costas voltadas para o rosto, mas a uma certa distância. Então lembrou que também sempre repetiu outro gesto – o de passar a mão direita na cabeça, a partir da testa e até chegar à nuca – e ali ficar por um tempo, normalmente quando sentado à mesa, num sinal claro que não estava contente com a vida. Não, ele nunca esteve de bem, normal, solto, descompromissado. E era calado, e balançava a cabeça negativamente sem dizer nada quando se deparava com coisas que achava erradas – e elas eram muitas, principalmente as da sua própria existência. Mas isso nenhum dos dois sabia direito.Então descruzou os pés, olhou a tela de tv e viu uma bunda colorida rebolando até perto do chão. O pai tinha razão.

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