12:16Supercordas no divã

por Yuri Vasconcelos Silva

As pás giram devagar no teto branco de neve da sala. Ele acompanha com os olhos enquanto perscruta seus pensamentos. Precisa dizer algo. Olha de soslaio através do vidro de um quadro que emoldura um pôster de Mondrian e também reflete seu terapeuta. O doutor está segurando um caderno, mas nada anota. Ele está tirando bolinhas de lã de seu suéter. Os únicos sons audíveis são de um avião ao longe e o barulho dos dedos do doutor pinçando as tais e as arremessando ao carpete.

O paciente está ali para descobrir do que é feito. Uma busca cara, pois aquele doutor lhe cobra 350 a hora. Se ele fosse materialista, sua vida seria mais tranquila e barata. Por quê? Porque ele sabe.

Entende que cada átomo que forma sua existência é, basicamente, um grande vazio. A representação de um núcleo rodeado de elétrons em várias órbitas não passa de uma caricatura para facilitar a compreensão. Mas não representa a verdade. O átomo de carbono, por exemplo, bloco fundamental para a vida e para os diamantes. Se fosse inflado até chegar ao tamanho do Maracanã, o estádio, existiria uma nuvem de elétrons na periferia, como moscas drosófilas turbinadas. Seu núcleo seria então correspondente a uma bolinha de gude no centro do campo. Todo o resto, apenas espaço vazio. Os elétrons são adimensionais. Ora são considerados pontos, ora ondas eletromagnéticas. Ou seja, pura energia.  Já o núcleo esconde mistérios tão insondáveis quanto o coração. Lá dentro, um outro vazio. Seja dentro dos prótons ou dos nêutrons, partículas pontuais se agrupam de três-em-três para compor um próton. São os quarks. Existem 6 tipos de quarks e eles são tão pequenos quanto a milésima parte de um próton. Este agrupamento de quarks são conhecidos como hádrons. Quarks não existem solitários na natureza, até onde foi observado ou experimentado. Eles não conseguem viver sozinhos. Na eventual tentativa de extrair um quark de seus colegas, seria necessário empenhar tanta força para separá-lo que, ao finalmente conseguir fazê-lo, a energia que dispensou na tarefa é automaticamente convertida em um outro quark, na posição daquele que você extraiu. E o que tinha na mão, desaparece. Desta maneira, nota-se que além de vazio, o mundo que vivemos é feito de energia. Matéria é apenas um estado condensado de energia. Metros enterrados sob a fronteira da Suíça com a França, cientistas de todo o planeta fornecem energia descomunais, em forma de velocidades próximas às da luz, para ver o que sai de dentro dos hádrons quando um se colide com o outro. A energia, neste momento de súbita parada no impacto, é convertida naturalmente em matéria, partículas que estamos conhecendo apenas agora. O Grande Colisor de Hádrons (LHC) é um diminuto protótipo do Big Bang.

O quark ainda não é o fim da jornada. Mas daqui pra frente, somente a imaginação deve operar. Nenhum instrumento consegue enxergar aquém desta escala, exceto boas e criativas mentes. E algumas delas teorizaram uma resposta para a peculiar pergunta: por que existem tantas partículas diferentes, com características distintas, formando os blocos fundamentais do universo? A resposta é música. No âmago de cada partícula, cada quark ou elétron, existe uma corda que vibra numa frequência diferente. Assim como a viola vibra suas cordas e uma infinidade de sons emergem de lá, o mesmo acontece com toda a matéria. Carga elétrica, massa, spin e uma porção de propriedades particulares a cada partícula que, num ajuste muito fino, permitiram a matéria e energia se comportarem como são e viabilizaram a existência do universo como é hoje. Incluindo a evolução da vida ao ponto de alguns seres inteligentes pagarem 350 para tentar descobrir do que é feito seus sonhos. Para um materialista, tudo é essencialmente vazio. Mas é deste vazio que tudo surge.

*Yuri Vasconcelos Silva é arquiteto

 

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