7:57Luto

por Drauzio Varella

A perda de um ente querido é das experiências mais dolorosas. Nossa identidade e senso de pertencer a um grupo são inseparáveis daqueles que nos cercam. Quando um deles se vai, deixa um espaço vazio na rede social que nos dá suporte e cria sensação de isolamento.

Estar de luto abala a integridade do psiquismo e provoca sintomas fisiológicos que evoluem com o passar do tempo. Finalmente, nos últimos anos, a medicina e a psicologia têm procurado estudá-los. O “New England Journal of Medicine” traz uma revisão sobre o tema.

O luto tem uma fase aguda que envolve respostas à separação e ao estresse. É caracterizada por saudades, sentimentos de perda, tristeza, pensamentos e imagens da pessoa falecida.

Ouvir sua voz, ver e sentir sua presença podem representar formas de alucinações benignas, sem significado psicopatológico.

Nessa fase, costuma haver confusão a respeito da própria identidade e de seu papel no ambiente social, tendência a se afastar das atividades habituais, desesperança e diferentes graus de apatia.

Os sintomas incluem ansiedade, disforia, raiva e depressão, associados a alterações fisiológicas: taquicardia, aumento da pressão arterial, da produção dos hormônios envolvidos no estresse, distúrbios de sono e deficiência imunológica.

No período que se segue ao falecimento, aumenta o risco de infarto do miocárdio, das cardiopatias de estresse, de distúrbios de humor e ansiedade e também do abuso de drogas, lícitas ou não.

Vem, em seguida, a fase de adaptação, caracterizada por alternâncias imprevisíveis entre a aceitação e as emoções negativas. A intensidade do luto diminui gradativamente com o passar dos meses, embora os sintomas possam retornar em momentos de dificuldade ou em ocasiões especiais –aniversários, Natal.

Pensamentos e comportamentos característicos da falta de adaptação e desgostos da vida cotidiana podem interromper os mecanismos adaptativos e provocar uma regressão à fase aguda.

Quando surgem as complicações classificadas como “distúrbio de luto prolongado”, o quadro persiste por períodos mais longos do que as normas sociais consideram aceitáveis e comprometem as atividades diárias.

A prevalência dessa condição na população mundial é de 2% a 3%.

Essas porcentagens aumentam para 10% a 20% na perda de uma parceria romântica e atinge os valores mais elevados entre pais que perderam seus filhos.

A probabilidade também aumenta no caso de mortes súbitas e diminui quando a perda é de um dos pais, avós ou de amigos próximos. O grupo mais sujeito ao luto prolongado é o das mulheres acima de 60 anos.

Estudos neuropsicológicos realizados nesses casos revelam anormalidades nos neurônios conectados ao sistema de recompensa, à memória autobiográfica e nas redes que regulam as emoções e as funções neurocognitivas.

As complicações do luto estão associadas a distúrbios do sono, abuso de drogas, ideações suicidas, depressão da imunidade, doenças cardiovasculares e dificuldade para dar continuidade a tratamentos de outros problemas de saúde, como hipertensão ou diabetes.

A característica principal é a tristeza profunda e prolongada, acompanhada de pensamentos insistentes sobre a pessoa falecida ou imagens dela, raiva, sentimento de culpa, descrédito e inadequação para aceitar a realidade.

Enquanto alguns procuram evitar situações que lhes tragam a lembrança da perda, há aqueles que se apegam às roupas e objetos da pessoa que se foi.

Frustrados por não conseguirem ajudar, amigos e parentes se afastam, aumentando a sensação de isolamento e a crença de que a felicidade só era possível na companhia do ente querido que não está mais neste mundo.

O tratamento de escolha é a psicoterapia, de preferência conduzida por especialistas em lidar com situações de luto, profissionais difíceis de encontrar.

O objetivo é restaurar a autoconfiança do paciente, o entusiasmo para planejar o futuro e ajudar a pensar na morte sem evocar culpa, revolta ou ansiedade.

O papel dos antidepressivos é controverso, porque faltam estudos bem conduzidos. A maioria dos psiquiatras, no entanto, procura prescrevê-los em conjunto com a psicoterapia. Embora limitada, a experiência sugere que os resultados são melhores com a associação.

*Publicado na Folha de S.Paulo

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