6:28No Centro Oncológico, os cabelos do David Luiz

por Sergio Brandão

A seta indica para uma escada e o texto anuncia “sala de quimioterapia”. No primeiro andar todos esperam por consultas ou tratamento. Alguns escondem suas cabeças com bonés e lenços. Na recepção, numa enorme televisão pregada na parede, começa a decisão das quartas-de-final da Champions League, entre Chelsea e Paris Sant Germain. 
No time de vermelho está David Luiz, o cabeludo zagueiro brasileiro, jogando no time francês. Galvão Bueno faz um comentário sobre as madeixas do jogador. A ironia chegou até um casal sentado ao meu lado. Ela de lenço na cabeça, sorri pro marido de canto de boca. Os dois não dizem nada. Carinhosamente ele passa as mãos no rosto dela. Os dois olham firmes pra tevê buscando o verdadeiro papel dela, que naquele momento é oferecer Futebol.
É minha primeira consulta. Os consultórios estão à direita da escada que leva até a químio. A maioria parece estar ali para se consultar. Todos carregam suas sacolas de plástico, com resultado de exames. Cada sacola exibe o nome de laboratórios e Centros de investigação por imagem, de nomes diferentes. Dentro delas, o histórico de cada um, diagnósticos que podem levar a frequentar a subidas e descidas daquela escada que leva até a quimioterapia.
Logo que chego, depois que respondo algumas perguntas, uma moça me manda subir numa balança. Anota meus 75 quilos. Desço e antes que pergunte para que serve aquele procedimento, lembro que entre tantas investigações que fiz, nos médicos anteriores, todos me perguntaram se eu estava perdendo peso. O primeiro sinal da doença está na balança. Os ponteiros descem.
Todos os funcionários parecem treinados de forma diferente da média das pessoas que trabalham com atendimento ao público. A educação, o respeito, o ritmo de trabalho, parece funcionar como a máquina de um relógio suiço. As falas são mansas, no mesmo tom até para anunciar o pior. A palavra câncer é dita como quem pede para completar o tanque do carro ou um picolé no campo de futebol.
Talvez por isso a senhora que tentou sorrir pro marido tenha perdoado Galvão Bueno pela história dos cabelos de David Luis. Gente desprovida de vaidade, que ficou pra trás, junto com os cabelos ou com os efeitos de uma longa terapia.
O ambiente de um Centro Oncológico é onde os problemas menores desaparecem, a vida pede mais do que podemos dar. Faz a gente se sentir pequeno, com vergonha do tamanho dos problemas que carrega. Certamente longe e menor de muitos sofrimentos que estão ali comigo, dividindo a mesma sala.
A chegada de alguém é festejada. Da rua vem um senhor ajudado pela filha na caminhada até a recepção. As atendentes fazem festa, mas discretamente. Ele parece gostar. Seus olhos brilham. Está debilitado, “mas pronto para mais uma aplicação”, diz ele sorrindo.

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Uma ideia sobre “No Centro Oncológico, os cabelos do David Luiz

  1. moizes braz

    Passei por isso, e hoje choro a saudade da minha esposa, que dia 29 junto com Curitiba, faria 58 anos.

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