6:52O nojo presidencial 2 – a sequência

por Célio Heitor Guimarães

Outro dia, relendo alguns dos meus escritos, dos idos do ano 2000, comprovei: o tempo passa, o tempo voa e, se o Bamerindus não mais se encontra numa boa, tudo permanece igual. Sai governo, entra governo, passa governo e a antiga tragédia continua a mesma. Esteja em cartaz o neoliberalismo efeagadiano, a farsa lulopetista ou a desventurosa era dilmista, o enredo é o mesmo e no fim do filme quem morre é sempre o mocinho e a mocinha.

No texto a que me refiro, Fernando Henrique Cardoso, então na presidência da República, confessava que sentia “asco” da corrupção existente no país. Estranhei o espanto e indaguei por onde FHC tinha andado. Ele quase nunca parava no Brasil – quem sabe daí tenha partido a surpresa e o nojo.

“– Ora, presidente, se v. exª., que estais aí em cima, abrigado e com todo o poder na mão, diz isso, o que diremos nós, aqui embaixo, sujeitos a todo tipo de vento e tempestade?!”

E continuei: “Este é o vosso Brasil, presidente. Vosso não; nosso, aquele sem governo. Ou melhor, aquele cujos governantes estão metidos até o nariz na lama”.

“Veja no que deu essa história de reeleição” – provoquei (e nem falei nas privatizações). E argumentei: “Ampliou, como nunca a corrupção. No Brasil (o nosso) de hoje, a corrupção não está apenas institucionalizada. No Brasil de hoje, aquele do qual v. exª. só agora parece ter tomado conhecimento, a corrupção assumiu o poder, e há muito está cheirando mal. Nos três Poderes. E não apenas aí no Planalto Central ou em grandes centros, como São Paulo e Rio de Janeiro, mas aqui mesmo à nossa volta, assim como no mais recôndito rincão brasileiro. E esta é aquela que a gente vê. Imagina, então, aquela que a gente não vê!”

Insisti: “Mas não é só a corrupção que dá nojo neste país, presidente. A miséria, também. E a fome do povo, o desemprego, o omissão do poder público, os juros escorchantes, a impunidade, a violência generalizada, a falta de esperança, a inoperância das instituições e até o cinismo de certas autoridades que imaginam que governar o país é patrocinar jogos olímpicos, trocar o petit pavé das cidades ou fazer proselitismo de palanque e ter arroubos de contrariedade diante das câmeras de televisão.”

E arrematei: “Quereis acabar com a corrupção e o banditismo, excelência? O ex-delegado [do Rio] Hélio Luz deu a receita, em entrevista à revista Bundas:

– Sugiro que a gente esvazie as cadeias e prenda todo mundo que está no governo.”

Na ocasião, Hélio Luz justificou: “Nossa população carcerária [referia-se ao Estado do Rio de Janeiro] deve estar em torno de 6 mil presos em delegacias e 12 mil em prisões. Juntos esses 18  mil não roubaram nem 10% do que o governo rouba.

Quinze anos se passaram. E o que mudou? Muito pouco. Algumas coisas, para pior – por exemplo, o percentual roubado por gente ligada ao governo e a volta da inflação; outras, para um pouco melhor. Uma delas, para muito melhor: a atuação da Polícia Federal, do Ministério Público Federal e, especialmente, do juiz federal Sérgio Moro.

Juro que não esperava viver para ver no xilindró – ainda que provisoriamente –, aquela malta de empreiteiros que mama nas tetas do governo e semeia a corrupção na administração pública desde o início dos tempos, e que hoje a Polícia Federal do Paraná abriga lá em Santa Cândida, nesta nossa Curitiba (ainda que importantes ausências sejam sentidas). Alguns bandidos já estão na terceira ou quarta gerações.

Pode ser que a atuação de aplicados e bem remunerados discípulos de Demóstenes e de julgadores muito pouco aplicados coloque logo na rua a graúda quadrilha. Mas uma coisa é certa: ela nunca mais será a mesma. Esta, pelo menos, não. Ainda que mudem de razão social e de endereço, continuarão marcadas a ferro e terão grande dificuldade de reorganização por muito tempo.

Não sei se o nojo de FHC era sincero. Provavelmente foi apenas cenográfico. Mas também jamais ouvi, li ou soube de qualquer manifestação de náusea ou repugnância de Lula ou Dilma a propósito do tema. É compreensível: para Lula e Dilma nunca houve corrupção em seus respectivos governos. O mensalão, o petrolão e a Operação Lava-Jato, como se sabe, são invenções da oposição, do Joaquim Barbosa e de grupos interessados em desestabilizar o governo e destruir a Petrobras. Se há algum culpado, deve ser o velho Getúlio Vargas, que criou a companhia nos idos de 1953 e deu margem para os malfeitos…

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Uma ideia sobre “O nojo presidencial 2 – a sequência

  1. rubens ghilardi

    Zé Beto,
    Não sei consigo transcrever o que foi publicado no Jornal na época oem que tínhamos problemas com empreiteiros para construir a Usina de Segredo, mais acho importante você conhecer o o que foi publicado; caso não caiba neste espaço e vc tiver interesse em conhecer posso mandar o arquivo.( QUEM EXECUTOU A OBRA FOI A DM, PEQUENA EMPREITA NA ÉPOCA)
    São Paulo, domingo, 16 de outubro de 1994 “FOLHA DE SÃO PAULO)
    Empreiteiras temem exclusão de 5 anos
    XICO SÁ
    DA REPORTAGEM LOCAL
    As maiores empreiteiras do país temem que o presidente Itamar Franco tome uma decisão histórica no final do mandato: proibi-las de participar de concorrências públicas nos próximos cinco anos.
    Para que isto aconteça, basta que o presidente acate sugestão da CEI (Comissão Especial de Investigação), que apontou irregularidades em contratos de dez empreiteiras com o governo.
    A Constituição e a nova Lei de Licitações permitem que o governo afaste das concorrências públicas as empresas envolvidas em irregularidades administrativas.
    Diante desse temor, as construtoras iniciaram uma operação para tentar mostrar ao presidente que o fato teria um impacto capaz de abalar a economia do país, com a redução de pelo menos 80 mil empregos.
    Documento das empreiteiras que será enviado a Itamar revela que a decisão equivaleria ao fechamento de quatro empresas como a General Motors, duas Autolatinas, três Fiats ou 1,5 Petrobrás.
    As dez empresas são: Norberto Odebrecht, OAS, Queiroz Galvão, Andrade Gutierrez, CBPO, Constran, Mendes Júnior, Cristinai Nielsen, Tratex e CR Almeida.
    O grupo, de acordo com investigações da comissão criada para fiscalizar o Poder Executivo, praticou irregularidades que elevaram pelo menos em 50% o preço de algumas obras públicas nos últimos cinco anos no país.
    Para realizar o seu trabalho, a CEI utilizou os documentos de obras já investigadas pela CPI do Orçamento.
    O objetivo da CEI foi verificar e tentar punir na área do Poder Executivo as irregularidades que haviam sido cometidas em conjunto com os parlamentares acusados na CPI.
    O DNER (Departamento Nacional de Estradas de Rodagem) e as Companhias Docas de São Paulo, da Bahia e do Rio Grande do Norte foram os principais focos de irregularidades descobertas até o mês passado pela comissão.
    Um dos emissários do grupo de construtoras junto ao governo será o deputado federal e empreiteiro Luis Roberto Ponte (PMDB-RS). “Não se pode tomar um medida tão radical como esta”, disse.
    Segundo o deputado, a CEI terá que avaliar melhor o seu projeto. “Muitas vezes, a corrupção fica restrita a uma extorsão, quando o empreiteiro é obrigado a pagar propina para poder receber os seus pagamentos”, afirma.
    Na avaliação de Ponte, as dez empresas não podem pagar por um relacionamento com o governo que teria se tornado até “cultural” na história recente do país.
    Embora estejam preocupados, os empreiteiros se recusam a falar publicamente sobre esse tema. De forma reservada, com o pedido de que os seus nomes não sejam citados, dizem que a punição seria uma catástrofe econômica.
    Caso a punição se concretize, os empreiteiros avisam que irão tentar derrubá-la na Justiça.
    Nos documentos que estão preparando para repassar ao governo, as construtoras informam ainda que foram responsáveis por um faturamento de US$ 4,8 bilhões no ano passado.
    A decisão de afastar as empreiteiras das concorrências públicas depende exclusivamente do presidente da República. A CEI, criada este ano pelo governo federal, não tem poder para isso. A comissão apenas sugere, cabendo ao presidente acatar ou não os seus projetos. (leia texto abaixo).
    O ministro da Administração Federal, Romildo Canhim, que dirige a CEI, acredita que há condições técnicas, devido ao número de irregularidades investigadas, para que Itamar tome esta medida.
    Segundo a assessoria do ministro, a tendência é que o presidente acate a sugestão de afastar os construtores das concorrências. Itamar mantém o suspense e não fala sobre o assunto no momento.
    Entenda como funciona a CEI
    DA REPORTAGEM LOCAL
    A CEI (Comissão Especial de Investigação) foi criada em fevereiro deste ano, pelo governo federal, com o objetivo de fiscalizar, prevenir e combater a corrupção no Poder Executivo.
    O grupo é coordenado pelo ministro da Administração Federal, Romildo Canhin, e possui mais sete membros nomeados pelo presidente Itamar Franco, que representam entidades da sociedade civil.
    A comissão brasileira nasceu após a CPI do Orçamento. O interesse imediato do governo seria investigar na área do Poder Executivo as ligações entre a máquina administrativa e o Congresso.
    É dever da CEI investigar e propor medidas ao presidente da República, que pode acolhê-las ou rejeitá-las.
    Além do ministro Canhin, são os seguintes os seus componentes: Cândido Mendes de Almeida, representante da Academia Brasileira de Letras; Emerson Kapaz, um dos coordenadores do PNBE (Pensamento Nacional das Bases Empresariais); Modesto Carvalhosa, conselheiro jurídico da Bolsa de Valores de São Paulo; Daniel Quintela Brandão, procurador-geral do Estado de Alagoas; Evandro Gueiros Leite, ex-ministro do STJ (Superior Tribunal de Justiça); Miguel Jeronymo Ferrante, também ex-ministro do STJ; Francisco Batista Torres de Melo, ex-comandante da Polícia Militar de São Paulo.

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