19:05A que ponto chegamos

Do jornalista Celso Nascimento, na Gazeta do Povo

“A história se repete, a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa.” O pensamento de Marx, o ideólogo do comunismo, fez-se realidade na última quinta-feira, quando forças militares, camburões, cachorros, bombas de gás de lacrimogêneo e balas de borracha foram utilizados para “dar segurança” aos deputados que votariam, em regime de “tratoraço”, o pacote de medidas que, supostamente, sanearia as finanças do estado. Nem com todo o aparato, os deputados conseguiram votar. E o caso ficará para a história como uma boa comédia de erros.

A última vez em que algo semelhante ocorreu no Brasil foi em 1984. Comandadas pelo general Newton Cruz, tropas do Exército cercaram o Congresso. Os deputados, lá dentro, preparavam-se para votar o projeto Dante Oliveira, que pretendia devolver ao país o direito de votar diretamente no presidente da República após 20 anos de ditadura. Deu-se a tragédia: o projeto não foi aprovado – mas é preciso elogiar os parlamentares, que não permitiram que a soldadesca fosse além das rampas e pisasse no chão sagrado do Congresso. Aqui, no último dia 12, na tentativa de fazer depressa a vontade do Executivo, foi a própria Assembleia que pediu a intervenção militar e se serviu de um rabecão da PM para que 33 deputados entrassem pela porta dos fundos e subissem ao restaurante onde se realizaria a sessão. Uma vergonha.

Antes de continuar, um parêntese: que não se pense que o colunista defenda atos de depredação e de desrespeito à instituição e a seus membros. Pelo contrário, defende as liberdades de manifestação e de expressão, mas condena a violência e qualquer tipo de atentado à democracia. Por isso, nem a invasão foi um ato elogiável, assim como não é de se festejar a intervenção policial para conter as ameaças ao livre funcionamento da Assembleia. A que ponto, portanto, chegamos.

Na verdade, tudo isso foi resultado de uma sucessão de erros políticos, cuja história começa com o descontrole das finanças públicas estaduais e que, à força de discursos falsos, se procurava esconder da população. Segundo erro: reconhecida a calamidade, o governo tenta impor o tratoraço antidemocrático para fazer a Assembleia aprovar medidas drásticas de saneamento. Terceiro erro: tentou ignorar opiniões divergentes, como as que envolvem a seríssima questão da previdência oficial. E quarto erro: o governo não avaliou corretamente o poder de reação das categorias atingidas pelo pacote.

Deu no que deu: o governador acabou por jogar no abismo o capital político que ainda detinha; a Assembleia e a maioria de seus deputados se prestaram a um papel de vassalagem que não os dignifica; milhões de crianças iniciam o ano fora da escola em razão da greve geral do professorado; e, por fim, o governo se obrigou a retirar o pacote para modificá-lo e reencaminhá-lo, mas agora seguindo os trâmites normais.

Nada disso precisaria ter acontecido. A que ponto chegamos.

Quem ganhou, quem perdeu

Da refrega da semana passada, dentre mortos e feridos salvaram-se alguns. Outros terão de rever suas posições daqui por diante. Entre os que saíram bastante machucados estão:

• Deputado e secretário de Desenvolvimento Urbano Ratinho Jr., que orientou os 12 deputados do seu partido, o PSC, a votar a favor do pacote (dois deles não obedeceram). Terá dificuldades para recolocar em pé o seu futuro político.

• O presidente da Assembleia, Ademar Traiano, que, se lhe acudisse a tempo algum bom senso, teria evitado o constrangimento dos seus deputados e o apequenamento do Legislativo.

• O secretário de Segurança, Fernando Francischini, que, ao liderar o desembarque dos deputados trazidos de camburão, foi posto a correr por um manifestante.

• O líder do governo na Assembleia, deputado Luiz Claudio Romanelli, que tentou conduzir a manada inquieta de seus comandados (soube-se depois que ele era contrário aos procedimentos definidos pelo grupinho de conselheiros do governador Beto Richa).

• O secretário da Fazenda, Mauro Ricardo Costa, a quem já não cabe o título de czar das finanças estaduais.

• O próprio governador, que agora terá muito trabalho para recuperar a confiança dos que o elegeram.

Salvaram-se alguns:

• A esquálida oposição (eram apenas seis deputados; agora podem ser 19).

• O deputado Ney Leprevost (PSD) que, ao votar contra o pacote e fazer veementes discursos contra as medidas, rompeu o cordão umbilical com Richa e reuniu mais cacife para disputar a prefeitura de Curitiba em 2016.

• Os servidores públicos, que conseguiram evitar algumas das perdas que lhes seriam impostas.

• Partidecos, sindicalistas e grupelhos político-ideológicos que testaram com sucesso seus métodos radicais.

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2 ideias sobre “A que ponto chegamos

  1. leovir sottomaior glitez

    Já estava previsto o ocorrido pois o povo vem sufocado e quando no auge da greve dos ônibus o governador (que vergonha!!) anuncia o aumento do seu salário e do secretariado foi o estopim para que a revolta que segundo o Beto foi de “baderneiros” só que o que vimos em fotos e vídeos foram professores e funcionários públicos com cara limpa, sem bataclava e sem ajuda de black bloc e skinhead. A própria policia estava do lado dos grevistas porque é uma corporação que vem sofrendo um desgaste muito grande trabalhando com um índice de criminalidade aumentando e com delegacias e presídios lotados o que provoca uma ressocialização nula. Ele aproveitou de sua bela estampa e o nome do pai, só que após o ocorrido ele não pode mais andar de stand up paddle na praia mansa de Caioba e ir de Harley na Boca Maldita porque apanha.

  2. Professor Xavier

    Disse tudo no quesito perdedores, o piá de prédio e a sua trupe tiveram o condão de ressuscitar os mortos da eleição passada. Quanta falta de bom senso da parte dos donos do poder.

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