8:55A nudez do carnaval

de Nelson Rodrigues

O turista de carnaval passou aqui 4 dias e viu tudo errado. Errado como? Explico: viu um erotismo que absolutamente não houve. Nunca se desejou tão pouco e repito: nunca a mulher foi tão secundária para o homem, nunca o homem foi tão secundário para a mulher. Alguém poderá argumentar com os nus da televisão. E, de fato, o que se viu foi uma nudez indiscriminada, sim, uma nudez multiplicada, obsessiva e feroz. Mas dizia eu que o desejo não tem nada a ver com a alegria e nada a ver com a multidão. O desejo é triste e exige o pudor, o segredo, o mistério, a exclusividade do casal. Ai está dito tudo: o casal. Nunca houve um carnaval tão triste porque nunca houve um carnaval tão nu. Nada mais triste que a nudez sem amor. Mas o nu é sempre belo, dirão alguns. Nem isso. É feio, e repito: sem amor, é feíssimo. Na quarta-feira de cinzas o brasileiro acordou com esse sentimento inexorável: como é feia, triste, humilhada, ofendida, a nudez sem amor.

*Texto publicado em 29/02/1968

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