Heleno (86 anos) na lida – Fotos de Ricardo Silva

Está sempre pronto, porque assim foi sempre na vida. Não há mais calos nas mãos, pois se transformaram num só em cada palma, nos dedos que também sabem cuidar com carinho das flores. Foi apresentado ao cabo da enxada ainda criança, como acontece por aquelas terras que um dia já foram dos índios e entraram no nome junto com as palmeiras. Heleno não sabe ao certo quando nasceu, porque naquele tempo os bacuris que apareciam nas roças nem registrado eram. Depois foi atrás pela memória oral dos parentes. Diz que completou 86 anos – e bem vividos. Escrever nem ler sabe, mas pra que? Pela graça de Deus e do Padre Cícero tem força e disposição para o trabalho. Foi morar na cidade porque não queriam deixá-lo sozinho por ali. Então começou a fazer bico em construção, para roçar terrenos, quintais, cuidar de jardim, porque diz ter jeito para a coisa. Ganha seus trocados, toma uma talagada de garapa de vez em quando, nunca cachaça, porque diz ter medo de se afundar na garrafa, como já viu muita gente na vida. Acha que quem faz isso é fraco de espírito. Ele teve a graça divina de não ser isso, muito pelo contrário. Debaixo do sol inclemente do Nordeste sua pele virou couro duro. Diz que daria para fazer um gibão. Heleno é engraçado e gosta de ouvir coisas engraçadas. Ouviu falar que o país está uma desgraceira só, mas isso, confessa, ele ouve desde o tempo em que Lampião e seus cabras passaram por aquelas bandas no começo do século passado. Muda não, diz, por isso acha que se cada um fizer a sua parte, trabalhando de forma honesta, já está louco de bom. Não se mete em política nem em futebol, muito menos com mulher dos outros. Fez filho, tem netos e bisnetos. Uns seguiram seu caminho, outros se perderam em senvergonheira. Ele segue trabalhando e quando termina uma tarefa se orgulha do que fez. Sempre ri e gosta sempre de contar que nasceu no Dia de Finados. Por isso está mais do que vivo. Heleno é um brasileiro.