por Zé da Silva
Capricórnio
Ficou na dúvida durante anos. Teria levado aquele tapa do pai? Sabia que nem o velho nem a mãe eram acostumados a a fazer isso. Na verdade, nunca fizeram. Mas… por que aquele fiapo incômodo? Guardou isso durante muitos anos. Poderia ter perguntado a eles, depois de adulto, ou para os tios que moravam no mesmo quintal na vila. Não, não perguntou. A mãe foi embora primeiro. Depois ele viajou milhares de quilômetros para ficar ao lado do pai no hospital. Naquela semana, deitado numa cama ao lado dele na enfermaria, às vezes, de madrdugada, sob uma luz tênue, olhava o corpo esquálido, e se fixava nas mãos de dedos compridos e finos. Às vezes, ao segurá-la, sem nenhuma reação dele, pensava naquele tapa. Quando o enfermo tinha alguns momentos de lucidez durante o dia, os olhares se cruzavam. Dois azuis cristalinos e dois verdes marejados. Foi numa dessas vezes que ele, o filho, teve certeza de que o tapa nunca existiu, era coisa da sua cabeça fantasiosa, porque estava diante de um ser humano sofrido, fechado, duro, mas muito amoroso, do jeito dele – e um anjo jamais seria capaz daquilo.