7:08O homem que o Brasil não quis para presidente

por Célio Heitor Guimarães

Jamais imaginei que um dia elogiaria – e publicamente – um agente do capitalismo que oprime o ser humano! Como representante da ninguenzada que nem aparece nas estatísticas, mas faz este país funcionar, eu, na verdade, queria distância dessa gente felizarda com um único objetivo em mente: multiplicar dinheiro e, com ele, manipular o poder. Para todo o sempre.

Antônio Ermírio de Moraes fez-me mudar de ideia. Passei a vê-lo com outros olhos. Não era um capitalista igual aos outros. Algo o distinguia. E não apenas pelo desleixo com que costumava se trajar. Mas no comportamento. Nas entrevistas que dava, tinha sempre algo para dizer e algo para mostrar. Tinha conteúdo e sabia o que dizia. Era um capitalista humano – que eu não imaginava existir. Trabalhava qual um mouro e amava o Brasil como poucos.

Em meados do ano passado, capitulei e, aqui mesmo neste blog, indaguei: se o capitalismo é irremediável e estamos fadados a viver com essa desgraça até o final dos tempos, por que nunca elegemos Antônio Ermírio de Moraes presidente do Brasil? Estava convencido de que, com sua comprovada capacidade gerencial, ele haveria de fazer muito mais pelo país na chefia da República do que os amadores que têm se apresentado e ocupado o trono.

Nos idos de 1986, Antônio Ermírio até tentou ser governador de São Paulo, mas os paulistas preferiram eleger Orestes Quércia. E Antônio sentiu na carne o quão sórdido, pérfido e canalha é o mundo da política. Muito mais do que o mundo dos negócios. E lembrou, arrependido, o conselho de seu pai, que dera início ao império Votorantim e fora senador: “Filho, nunca entre para a política”.

Ainda que fosse um dos homens mais ricos (se não o mais rico) do Brasil, Antônio Ermírio era um empresário sui generis: tímido e discreto, com inteligência fervilhante e temperamento explosivo; com um jeitão desengonçado, não frequentava colunas sociais, pouco aparecia em eventos, e era de uma simplicidade e de uma franqueza desconcertantes, além de um otimista incorrigível; adorava caminhar a pé por São Paulo, nunca teve seguranças e, como já se disse, não tinha a nenhuma preocupação com a aparência pessoal – ao contrário, seus trajes apresentavam-se normalmente amarfanhados e suas gravatas dificilmente estavam no lugar certo; formou-se engenheiro metalúrgico na Escola de Minas do Colorado, nos EUA, não para exercer a profissão, mas para colher conhecimento. E o que era mais surpreendente: era um capitalista que privilegiava o trabalho ao capital. Chegava no batente às 7 horas da manhã e trabalhava doze horas por dia – era um obstinado pelo trabalho. Comandava a Companhia Brasileira de Alumínio e as demais 95 empresas do Grupo Votorantim, e ainda achava tempo para atuar como presidente do Hospital Beneficência Portuguesa.

No ano passado, Antônio foi atacado por inimigos invisíveis que o fizeram recolher-se ao leito. Acometido de hidrocefalia e mal de Alzhheimer, passou a ser um guerreiro fora de ação. Não poderia ter recebido castigo pior. E mais cruel. Resistiu o quanto pôde, com a costumeira bravura. Até a noite de domingo (24), quando faleceu de insuficiência cardíaca, aos 86 anos, em sua casa na capital paulista. Deixou a mulher, Maria Helena, e sete dos nove filhos. Além de grande parte da esperança em um Brasil melhor. Teremos saudade dele.

O sociólogo José Pastore, amigo de Antônio Ermírio há mais de 35 anos, escreveu um livro sobre ele (“Antônio Ermírio de Moraes – Memórias de um diário confidencial”, Editora Planeta, 350 p.), onde narra coisas interessantes sobre o “Dr. Antônio”. Algumas delas:

  • Sempre que um político pedia a Antônio Ermírio para financiar alguma coisa, ele dizia para que lhe trouxesse o projeto. Aí, conferia a sua finalidade, depois o entregava aos técnicos da sua equipe. Eles verificavam os detalhes e contratavam uma empreiteira que construía a escola por um terço dos recursos solicitados. Quando a obra ficava pronta, deixava o político “faturar” a iniciativa.
  • Segundo o seu ideário, “governar não é dar ordens, e sim fiscalizar, cobrar, acompanhar e fazer acontecer”. Justificava: “Se eu fosse só dar ordens em minhas empresas, poderia entrar na Votorantim às 7h e sair às 7h30…”.
  • Quando administrava a Beneficência Portuguesa, Antônio sabia de cor quantos quilos de roupa haviam sido lavados no dia anterior, quantos litros de leite consumidos, quantos pacientes internados, quantas bolsas havia no banco de sangue, como estava o estoque da farmácia.
  • Outro assunto, além da saúde, que mais entusiasmava Antônio Ermírio era a educação. Sempre demonstrou grande preocupação com a escolaridade dos brasileiros. Via na má qualidade do ensino sério entrave para o crescimento econômico do país, para o exercício da cidadania e, consequentemente, para o amadurecimento da democracia.
  • Antônio Ermírio nunca tirou férias na vida. No máximo, um fim de semana em Bertioga (litoral de SP). Certo dia, surpreendeu o amigo Pastore: “Vou dar uma parada. Estou me sentindo cansado. Preciso dar um tempo para a cabeça. Vou viajar e descansar”. “Para onde você vai?” – quis saber Pastore. E Antônio, com suprema valentia: “Vou passar o próximo fim de semana em Serra Negra” (interior de São Paulo). Às vezes, ia a Águas de Lindóia, ali perto.

Esse foi o homem que o Brasil capitalista nunca quis eleger presidente da República.

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Uma ideia sobre “O homem que o Brasil não quis para presidente

  1. Professor Xavier

    O homem morreu mas ficou o exemplo, e não é preciso nem ser empresário ou capitalista para seguir-lhe os passos. Pena que tenhamos tão poucos brasileiros pelos quais chorar nos dias de hoje.

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