por Yuri Vasconcelos Silva 

– Não querido, não coma essa coisa! Pegue essa banana, mais saudável e sustentável.

– Mas eu quero comer Bis. Eu adoro Bis. Passei o almoço pensando neles…

– Você não imagina a quantidade de energia que foi utilizada na produção destes bloquinhos de chocolate. E a embalagem? Cada um deles embalado individualmente, acondicionados em um papelão e mais uma vez selado com outro plástico. Todos juntos são guardados em caixas, que são distribuidas por caminhões à diesel. Isso tudo é só metade da história insustentável deles. Tome, pegue essa banana.

– Isso não tem sentido. Veja bem: o chocolate já está em nossa casa, ele já gastou energia não renovável, já consumiu do planeta o que não devia. Se eu não comer, alguém vai. Além disso, seria um desrespeito com a Mãe Terra se eu não comesse, afinal ela foi sacrificada para este alimento vir a existir aqui no armário.

– Não. Ontem eu vi o documetário do Al Gore…

– De novo?

– Sim, de novo. Não podemos ignorar essa situação, todo esse carbono indo pra atmosfera, condenando o futuro dos nossos filhos e gerações a seguir…

– Nós não temos filhos.

– Mas nossos amigos têm. Você podia pensar um pouco além de seu umbigo, não?

– Tudo bem, mas eu não posso ser culpado por jogar carbono na atmosfera. Um pouco de metano, até concordo, mas só nos dias que você faz aquela salada de repolho com laranja.

– Praticamente tudo o que você faz causa o efeito estufa e aquecimento global. Quando dirige, quando faz compras, quando vai ao cinema, quando faz buscas no google…

– Querida, não quero te contrariar, mas não é natural nós fazermos isso? Quero dizer, faz parte de ser um humano no século 21. Seria como condenar os cães pela morte das árvores pelo fato inerente à espécie de mijar nelas? Claro, caso as árvores morressem disso…

– Somos seres com consciência, pensantes. Se podemos verificar o que está acontecendo e prever o futuro, temos obrigação moral de proteger o futuro  da humanidade.

– Tudo bem, mas, não sei… isso me parece meio prepotente. Achar que nós podemos mudar o destino do planeta, se é que nós somos realmente responsáveis pelo aquecimento global. Ainda há uma certa discussão entre as partes… e se não houver, pior. Sabe o que dizem sobre a unanimidade, né?

– Os maiores cientistas de nossa época apoiam esta teoria. Na verdade um fato. Eu vi os gráficos do Al Gore. É impressionante!

– Metade da população mundial não sabe interpretar um gráfico. Quando um aparece, acreditam porque é bonito e parece profissional. E além disso, os cientistas são os novos pajés. Só eles têm o conhecimento necessário para entender o que dizem. Acreditamos por fé. Veja bem, somos praticamente místicos em relação ao aquecimento global.

– É inutil converser com você. Coma seu chocolate, eu vou pra casa da mamãe. De bicicleta.

Ele ainda finaliza, gritando enquanto ela pega sua sacola de pano para passar na feira à caminho da casa da mãe:

– Não se esqueça que as grandes extinções foram provocadas por elementos naturais. Se um vulcão explode na Califórnia, um senhor vulcão, te garanto que ele vai soltar mais carbono que a civilização inteira desde a revolução insdustrial. Aliás, se o sol resolver bocejar, a temperatura do planeta vai subir bem mais que os graus que vocês tanto temem.

Ele se cala ao engolir o penúltimo Bis.

Ela, emburrada, sai pedalando com o rosto dourado pela luz do sol, o vento balançando sua sacola de pano e a logo verde da reciclagem. Uma sombra se avoluma em seu rosto, seu corpo e sua bicicleta. Sobre a rua, o bairro. Um breu engole a cidade e além. Um asteróide dizima todas as espécies existentes. A Terra volta a ser um lugar de paz e silêncio, como o restante do Universo.  

*Yuri Vasconcelos Silva é arquiteto