10:39O baiano que conhecia o Brasil

João Ubaldo Ribeiro deixou um caminho com todas as pegadas que pode. E se havia um sorriso constante em seus lábios, tenho certeza, sua alma sofria por ser dos poucos a decifrar o que é o povo brasileiro. Posso contar a meus netos, quando aparecerem, que um dia pude dar um abraço neste baiano porreta que nos deixou hoje. Ele era Itaparica, a ilha que colocou no mundo com seus personagens reais, mas fictícios, se é que me entendem. João advogado, professor, jornalista, escritor, homem da terra que andava de chinelos e vestia o fardão da Academia Brasileira de Letras sem mudar um milímetro o comportamento. João Ubaldo escrevia coloquialmente apenas nos artigos onde demonstrava de forma clara e com ponta de faca sua indignação contra o que os poderosos, de qualquer tonalidade ideológica, fazem com este país que é o dele e o nosso, a ninguenzada. Nos livros ele tecia longos períodos num português clássico, onde colocava aqui e ali uma trombeta popular, e assim nos arrastava para o conhecimento da própria alma tupiniquim, mesmo adentrando o delírio que vem da floresta, da febre, do batuque da umbanda, da marcha dos soldados, dos tiros de canhão, do sexo alucinado, da paixão, da terra, da onda do mar que quebra nas pedras, do gole da cachaça, da dor da tragédia, da alegria do gol, do prazer da leitura, do entendimento sem palavras, do som da bofetada, da luz do sol e da lua. “Viva o Povo Brasileiro” não é um livro – é um mergulho no que não conhecemos deste país azyllo muito louco. Por senti-lo e traduzi-lo em palavras, acredito que João Ubaldo sentia as dores do mundo – e bebia. Ubaldo era do meu time, o dos alcoólatras, e Deus sabe como lutou para conseguir controlar a doença devastadora. Até injeção milagrosa tomou. O criador do Sargento Getúlio frequentou AA e, ao que se sabe, volta e meia recaía, como o gigante a ser derrubado por uma vontade maior, incontrolável para o caso. Não é coincidência o fato de a qualidade da produção do escritor ter decaído com o agravamento da doença. Mas o pior do João era muito, mas muito melhor do que a maioria do que é produzido por aí. João Ubaldo Ribeiro não precisava fazer mais nada depois dos livros citados acima, dois apenas de uma grande produção. Suas pegadas são iluminantes – mas só para quem se interessa pelo que interessa neste país.

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2 ideias sobre “O baiano que conhecia o Brasil

  1. Célio Heitor Guimarães

    Não foi apenas a bebida que matou o grande João Ubaldo, mestre Zé. Foi também – e talvez principalmente – o cigarro, essa desgraça que está acabando com o mineiro Rubem Alves.

  2. Zé Beto Autor do post

    registrado. eu me referi ao álcool porque sabia das batalhas dele para parar. mas, enfim, a combinação para quem faz uso destas duas coisas é, mesmo, fatal. abraço. saúde.

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