6:47Uma vontade imensa de chorar

por Célio Heitor Guimarães

Vejo os candidatos que se apresentam para a próxima disputa eleitoral, no Estado e no país; as alianças que formam, os interesses e conchavos que são pactuados, e me dá uma vontade imensa de chorar. A maior preocupação atual é o tempo que terão no horário eleitoral gratuito. Para quê? Não têm o que dizer. Não têm consistência, não têm programa e muito menos ideologia. É a mesma ladainha vã, inconsequente e mentirosa de sempre. Os patifes são todos iguais, venham de onde vierem. Só objetivam o interesse próprio e o da camarilha que os cerca. Pobre Paraná! Pobre Brasil!

Aprendi com o meu filósofo favorito, o educador Rubem Alves, que eleições dão a impressão de democracia. E democracia, como se sabe, vem do grego: demos (povo) e kratos (poder). Quer dizer, democracia é a forma de governo em que o poder é exercido pelo povo. E as eleições são meios para que os ideais do povo se realizem. Esses ideais são atingidos através de representantes nas diversas esferas de governo, escolhidos pelo voto popular.

A vida e a realidade, por outro lado, me ensinaram que tudo isso é uma grande piada. Isto é, seria coisa engraçada, de morrer de rir, se não fosse trágico. A partir exatamente dos candidatos que se oferecem para representar o povo, aqueles magnânimos e desprendidos cidadãos que abrem mão de seus interesses pessoais para cuidar apenas dos interesses do povo.

No Brasil, são muitos os partidos, ou seja, agremiações legalmente constituídas com o objetivo de agregar os representantes do povo e levar avante os seus sonhos. A rigor, no entanto, no Brasil – constata Rubem Alves – os partidos se reduzem a apenas dois: o partido das raposas e o partido das galinhas.

Revela o mestre que as raposas, por serem muito provavelmente devotas de São Francisco de Assis, sabem que é dando que se recebe e, assim, movidas por esse ideal espiritual, dão milho para as galinhas. As galinhas, acreditando nas boas intenções das raposas, tomam esse gesto como expressão de amizade e carinho. E passam a confiar nas raposas e as elegem suas representantes. Daí, na democracia brasileira, as raposas representarem as galinhas. E, como representantes do povo, têm proteção especial, que se denominam “privilégios”. O resultado todo mundo conhece. Um dia, as raposas sempre comerão as galinhas. É da natureza delas.

E aí me lembrei, uma vez mais, de Orwell. Eric Blair Orwell, autor da “Revolução dos Bichos”, aquela significativa história de uma revolução que os animais, liderados pelos porcos, resolveram fazer na fazenda em que viviam para se livrar do domínio do fazendeiro, que os explorava em benefício próprio. Os porcos se julgavam com o direito para ser os líderes do movimento, pois eram os bichos mais sacrificados. O fazendeiro os engordava para depois transformá-los em linguiça, torresmo, lombo, toucinho, pernil assado…

Só que, no decorrer do processo revolucionário, aconteceram importantes transformações, já que, como diziam os próprios porcos, o processo é histórico, dialético, dinâmico e não linear. E os porcos passaram a ver que o fazendeiro e os capatazes da fazenda não eram tão maus assim. Havia interesses comuns, capazes de levar a proveitosas alianças. E no final da obra, a derradeira cena é tão terrível quanto significativa: a bicharada, do lado de fora, olha pela janela para dentro da casa do fazendeiro. Lá acontece uma reunião festiva para celebrar um novo marco político de cooperação entre fazendeiros e porcos. E olhando para os fazendeiros e para os porcos, os pobres bichos, de quem os porcos eram representantes, não mais conseguiam identificar quem eram os fazendeiros e quem eram os porcos…

Orwell falava nos porcos. Aqui, temos as raposas. E os ratos, aqueles que ingressam, se acomodam e se eternizam na vida pública nacional pelos buracos da democracia, abertos pelo voto do povo.

Por tudo isso, meu sofredor compatriota, essa minha vontade imensa de chorar.

PS – Para completar, reitero frase já dita aqui, com pequenos ajustes: Os decentes que estão comemorando a saída de Joaquim Barbosa do STF ainda vão chorar a falta dele.

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3 ideias sobre “Uma vontade imensa de chorar

  1. toledo

    Quando temos que lamentar a saída de um despreparado como o Joaquim Barbosa, é porque a coisa esta feia. Muitos tem o direito de achar que esse cidadão fez alguma coisa de bom para o país mas por favor ele não foi é não é tudo isso.

  2. ro

    Acho que não vou lamentar não, eu desconfio e muito desse senhor. No Brasil quando alguém tem tanto poder assim, em alguém ou em algumas coisas ele andou pisando. Tenho certeza que ele vai morar em NY e usufruir de todo o patrimônio por lá, se ficasse aqui humildemente, eu até acreditaria nele.

  3. SFU

    “Assim, sob qualquer ângulo que se esteja situado para considerar esta questão, chega-se ao mesmo resultado execrável: o governo da imensa maioria das massas populares se faz por uma minoria privilegiada. Essa minoria, porém, dizem os marxistas, compor-se-á de operários. Sim, com certeza, de antigos operários, mas que, tão logo se tornem governantes ou representantes do povo, cessarão de ser operários e pôr-se-ão a observar o mundo proletário de cima do Estado; não mais representarão o povo, mas a si mesmos e suas pretensões de governá-lo. Quem duvida disso não conhece a natureza humana.”
    Pensado e escrito por Bakunin, pouco antes de 1876.

    Tanto o texto acima, quanto o “O Sonho dos Ratos”, de Rubens Alves, onde está fabulada essa inversão de pensamento e de vontades, agora sem fábulas, sem imaginários e, lamentavelmente, realidade no nosso momento brasileiro, eis que ocorrem situações reais, parecendo ser a reprodução de uma possível premonição bakuniana, século e meio depois de sua clarividência. O que ocorre no Brasil, sob o jugo dessa agremiação política (pobre Política!) e de seus membros, originalmente formadores das bases das camadas sociais e trabalhistas, onde forjaram a retórica conveniente para a tomada do poder, é semelhante, pois simularam lutar contra um sistema sociopolítico presumivelmente opressor, apenas para chegar ao poder e não para mudar a sociedade, hoje vê-se. Pior do que esse desvio de rumo, e essa omissão sequente, é o papel semelhante ao dos porcos, do livro de George Orwell, adotado por eles, já que se tornaram os nababos dos lençois de linho egípcio, dos cristais europeus, das contas bancárias externas e polpudas, das festas de 15 anos grandiosas, embora de gosto duvidoso, dos aviões luxuosos, que governantes de países mais ricos não ousam ter e, finalmente, das fortunas pessoais adquiridas não se sabe onde nem como.
    Enfim, hoje sabemos ter sido Bakunin um verdadeiro Profeta de situações reais ocorridas tanto no tempo e na região onde ele viveu, quanto cá e hoje, distante dele, no Ocidente.
    Com relação a Joaquim Barbosa, sim, o tempo, e só o tempo, mostrará a certeza das suas falas e das ações que dignificaram a Justiça brasileira, embora as reações naturalmente contrárias dos criminosos, dos seus representantes legais e dos seus asseclas, aqueles que formaram o MENSALÃO e os demais que se beneficiaram dele.

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