7:25Curitiba, nossa gata borralheira

por Célio Heitor Guimarães

 

 

O ex-prefeito Jaime Lerner, segundo Dante Mendonça, costuma comparar as cidades a mulheres. Ao contemplar as curvas de Paris, o arquiteto definiu-a como uma mulher chique, sempre bem vestida para um casamento. Já Nova York, para ele, é uma mulher toda tatuada. Não se sabe qual é a opinião de Jaime sobre a atual Curitiba. O próprio Dante prefere vê-la como uma fêmea com transtorno bipolar. Com temperamento oscilante entre pecados e virtudes. Mas quem talvez tenha mais se aproximado do atual retrato de nossa Curitiba, aniversariante deste sábado 29 de março, foi Wasyl Stuparyk.

 

 

Wasyl, homem das artes, que já andou pintando e bordando nas ondas do rádio e nos bastidores do Teatro Guaíra, e que é guardião da memória do rádio, da TV e das coisas da cidade, vê Curitiba de hoje como uma jovem ainda cheia de encantos mas relegada ao abandono e coberta de trajes rotos.

 

 

– É um estado lamentável, que nos entristece e causa dor – destaca o velho sonoplasta, que ama de verdade a cidade em que nasceu e viveu a vida toda.

 

E lança no ar uma indagação sofrida: “Onde está aquela Curitiba que entusiasmava o Brasil e servia de referência para o mundo pelas suas artimanhas e sua criatividade?”

 

Não tem resposta. Mas tem razão.

 

 

Curitiba, que já foi a “mui hermosa e cordial Vila de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais” dos nossos avós e bisavós, como referida por Sérgio Mercer; que já foi a Cidade-Sorriso de nossos pais, a Cidade Universitária de todos nós e a Cidade Ecológica de nossos filhos, hoje está mais para a Gata Borralheira, dos Irmãos Grimm.

 

 

E não será passando-lhe nos lábios um batom carmim, cobrindo-lhe o rosto de pó-de-arroz ou dando-lhe um banho de loja que Curitiba retomará o seu caminho. Muito menos equipando-a com uma medonha ponte espraiada sobre a Avenida das Torres que se lhe conferirá nova personalidade. Além de cara e desnecessária, essa raiada ponte já enfeita hoje pelo menos sete cidades brasileiras. A de Curitiba, grande obra do ex-prefeito Luciano Ducci, não passa de um viaduto e apenas faz a alegria dos empreiteiros e consome o já combalido erário municipal.

 

 

Aí, se aproxima a Copa, evento que o verdadeiro curitibano não pediu e abomina. A cidade é infernizada com pseudo-obras, intermináveis e ineficazes, através das quais se quer impor a ela um maldito e abstrato “Padrão Fifa”. E, se não bastasse, Curitiba passou a ser ameaçada de estupro por um absurdo metrô que lhe fará sangrar as veias.

 

 

Como todo curitibano de bom-senso, Jaime Lerner é contra: “Só sobre o meu cadáver!” – disparou em entrevista nacional. Ele sabe o que diz. Em 1970, inventou o sistema viário de passageiros via canaletas expressas, às quais chama, com algum pernosticismo, de “Bus Rapid Transit”, e que se espalhou pelo país e pelo mundo. Do alto de sua cátedra, Jaime garante que o metrô vai destruir todo o sistema de Curitiba.

 

 

Goste-se ou não do roliço ex-prefeito, critique-se ou não o seu modo de administrar, não se pode negar que JL foi o último dos administradores que ofereceu nova estrutura para Curitiba, traçou normas de preservação histórica da cidade, deu-lhe mobilidade viária, semeou-a de parques e bosques, dividiu-lhe o lixo, conferiu espaço aos pedestres e recolocou-a no mapa do Brasil. Os alcaides que se seguiram limitaram-se a aproveitar-se do que fora feito e a fazer pequenas maquiagens superficiais e quase sempre inócuas.

 

 

Gustavo Fruet era a nova grande esperança de Curitiba e dos curitibanos. Dizia-se contra o metrô, que achava caro, de construção complicada e pouco resultado. Mudou de ideia, talvez convencido pela companheira Dilma, hoje forte aliada sua. É uma pena.

 

 

Segundo Rubem Alves, as cidades, como os seres humanos, têm alma e corpo. O corpo de uma cidade – ensina o meu filósofo favorito – são as ruas, as praças, os carros, as casas, as lojas, os edifícios, as fábricas, as coisas materiais. “A alma, ao contrário, são os pensamentos e os sentimentos dos que nela moram” – garante Rubem.

 

 

Onde, então, se pode encontrar a alma de uma cidade? Rubem Alves a encontra na população, nas feiras, nas bancas de frutas e legumes, no mercadão, nas feiras de artesanato ou nos jardins em que o povo passeia e as crianças brincam – lugares onde acontecem encontros e reencontros felizes. Mas ele acha que também se pode encontrar em locais assustadores, como nas torcidas de futebol e no trânsito…

Há cidades com corpos perfeitos, bonitas por fora, mas com almas feias, assim como cidades de corpos toscos, rústicos, sem maiores encantos externos, mas com almas maravilhosas.

 

 

A alma de Curitiba é maravilhosa. Mas onde ela se encontra hoje em dia, sinceramente não sei. Gostaria imensamente que Guga, o nosso prefeito, a reencontrasse o mais rápido possível. E no sábado, arredando-se um pouco das agruras financeiras do município e das dificuldades administrativas do dia-a-dia, tirasse Curitiba para dançar. E, no vai da valsa, lhe fizesse, além de muito carinho, juras de amor ao ouvido…

 

 

P.S. – A versão sonora deste texto pode ser ouvida no blog www.oradiodoparana.com.br, mantido pelo acima referido idealista Wasyl Stuparyk. 

 

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2 ideias sobre “Curitiba, nossa gata borralheira

  1. Engenheiro Curitibano

    O autor do texto expressa, com rara felicidade, o pensamento de muitos curitibanos, desconsolados com os rumos da nossa cidade. Com o metrô penso que, infelizmente, estejamos ultrapassando os limites da irresponsabilidade e da insensatez!

  2. ERICO STEFANO

    Nao se pode deixar de reproduzir o texto de Célio Heitor Guimaraes sobre no querida Cidade:” E não será passando-lhe nos lábios um batom carmim, cobrindo-lhe o rosto de pó-de-arroz ou dando-lhe um banho de loja que Curitiba retomará o seu caminho. Muito menos equipando-a com uma medonha ponte espraiada sobre a Avenida das Torres que se lhe conferirá nova personalidade. Além de cara e desnecessária, essa raiada ponte já enfeita hoje pelo menos sete cidades brasileiras. A de Curitiba, grande obra do ex-prefeito Luciano Ducci, não passa de um viaduto e apenas faz a alegria dos empreiteiros e consome o já combalido erário municipal.” Por que será que esta tal ponte estaiada está lá? nem rio tem?? Ou as empreiteiras ainda vao fazer o rio, na próxima licitação?

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