5:50A marcha dos insensatos

por Célio Heitor Guimarães

 

Marcha da Família com Deus?! Ih! Já vimos esse filme! É de terror. Estreou há exatos 50 anos, com o título original de Marcha da Família com Deus pela Liberdade, produção brasileira, com apoio logístico norte-americano, que permaneceu em cartaz por vinte e um anos, causando muita dor à plateia nacional. Somente pode ter saudade dele quem não o assistiu, não sentiu na carne os seus efeitos maléficos ou simplesmente é um mentecapto.

Este mês de março assinala o 50º aniversário da quartelada de 1964, página negra da história brasileira, que não pode ser jamais esquecida para que não seja repetida.

Aí surge em cena uma turma de insensatos e irresponsáveis disposta a promover um “remake” daquela lamentável produção. E, para tanto, está convocando a população para nova passeata nacional no próximo sábado 22, com o propósito de clamar pela volta dos militares ao poder. E a imprensa nossa de cada dia ainda lhe abre espaço!

O que pretendem esses insanos? Simples: nova intervenção dos homens da farda para libertar o Brasil do perigo comunista e da corrupção. Isso incluiria, claro, a destituição das atuais autoridades constituídas, nos três Poderes da República; a convocação de novas eleições gerais e, por fim, a devolução do poder aos civis. Exatamente como ocorreu (ou deveria ter ocorrido) nos idos de 64. Todo mundo sabe como acabou. Quer dizer: estão chocando o ovo da serpente, sem a menor noção disso.

Ninguém lamenta mais a tomada do poder pelo PT do que este ingênuo escriba, que um dia acreditou nas boas intenções de Luiz Inácio da Silva e até ajudou a entronizar o ex-metalúrgico no Planalto com o seu voto. Do mesmo modo que ninguém lastima mais do eu o atual aparelhamento do Estado, a petização (e o apequenamento) da administração pública nacional, incluindo a economia, a educação e até mesmo a mais alta esfera do Judiciário; a institucionalização da safadeza, capaz de tentar transformar criminosos em heróis nacionais; e o desgoverno dessa farsa chamada Dilma Rousseff, que, só pela autorização dada para compra pela Petrobras de uma refinaria falida do Texas, EUA, e pelo valor pago, já merecia um “impeachment”. Mas, com certeza, não será chamando a Cavalaria que resolveremos isso. E muito menos através de justiceiros, torturadores e assassinos, que abominam a liberdade e acham que o povo de uma nação é apenas um detalhe.

Se uma gente deplorável e indigna assumiu o Brasil foi porque nós, os eleitores, a pusemos onde estão. Pelo voto. Pois será através do voto que deveremos apeá-la do poder. Será difícil? Será. O enraizamento é grande e poderoso. A oposição é fraca, inconfiável e desprovida de valores. Aqui na planície, quem ousa criticar é tratado como inimigo da pátria. Mas sempre restará a esperança. Foi ela, aliás, que nos deu força para sobreviver nos anos sombrios da ditadura militar – essa mesma que os promotores da nova Marcha da Família estão querendo agora restaurar. O que nos animava era a certeza de que aquilo não poderia durar para sempre.

Nesse sentido, o meu querido Rubem Alves cita o exemplo de Dietrich Bonhoeffer, que, em carta escrita da cela de um campo de concentração nazista, conta que o prisioneiro desconhecido que ali o antecedeu escrevera na parede uma mensagem de esperança desesperada: “Dentro de cem anos isso tudo terá terminado…”.

O tempo passou. O tempo de horror acabou. E se hoje um novo horror está acontecendo, um tempo de desilusões, de falsos personagens e de muita patifaria – em alguns aspectos até pior do que o anterior –, não se deve nem pode perder a esperança. Um dia isso também acabará. Sem que precisemos ressuscitar o que de pior existe na nossa história.

 

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2 ideias sobre “A marcha dos insensatos

  1. leandro

    Muito bem definida a opinião do comentário. Contudo sendo contrário a uma tomada do poder com o em 64 pois vivi naquela época e sei bem o que aconteceu. Muita coisa boa houve, depois uns malucos acharam que eram justiceiros e deu no que. Todavia devemos lembrar que os crimes e excessos foram de ambos os lados e é obvio que do lado dos militares a força imperou até pela condição de logística deles. Agora que dá vontade de ver sumir essa corja que aparelhou o estado com verdadeiros meliantes e com ideologias totalmente contrárias áo que o povo esperava, dá. Mas a arma democrática é o voto e como disse o comentarista é difícil mas não há mal que dure a vida inteira e com aliados como Maduro, esse nosso estado de coisa e governo pode cair de podre.

  2. Jeremias

    A democracia é um valor supremo.
    Podemos concordar ou discordar de nossos governantes e dos legisladores, mas é no voto que devem se dar as alterações pretendidas.
    O texto de CHG é uma aula de bom senso e cidadania.
    Parabéns!

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