7:56Sobre desimportâncias

por Manoel de Barros

 

Um fotógrafo-artista me disse outra vez: veja

que pingo de sol no couro de um lagarto é

para nós mais importante do o sol inteiro

no corpo do mar. Falou mais: que a importância

de uma coisa não se mede com fita métrica nem

com balanças nem com barômetros etc. Que a

importância de uma coisa há que ser medida

pelo encantamento que a coisa produza em nós.

Assim um passarinho nas mãos de uma criança

é mais importante para ela do que a Cordilheira

dos Andes. Que um osso é mais importante para

o cachorro do que uma pedra de diamante. E

um dente de macaco da era terciária é mais

importante para os arqueólogos do que

a Torre Eifel. (Veja que só um dente de macaco!)

Que uma boneca que abre e fecha os

olhinhos azuis nas mãos de uma criança é mais

importante para ela do que o Empire State

Building. Que o cu de uma formiga é mais

importante para o poeta do que uma Usina Nuclear.

Sem precisar medir o ânus da formiga. Que o

canto das águas e das rãs nas pedras é mais

importante para os músicos do que os ruídos

dos motores de Fórmula 1. Há um desagero em mim

de aceitar essas medidas. Porém não sei se isso é um defeito do

olho ou da razão. Se é defeito da alma ou do

corpo. Se fizerem algum exame mental em mim por

tais julgamentos, vão encontrar que eu gosto

mais de conversar sobre restos de comida com

as moscas do que com homens doutos.

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