7:28UM DIA DE DOMINGO

por José Maria Correia


Havia um silêncio como aquele que precedeu a criação do mundo.
O vento havia parado de soprar por um momento e as folhas tinham deixado de cair.
Dormiam os cães nas ruas e os homens em suas camas repousavam  absolvidos por pouco tempo dos tormentos diários e das aflições freudianas da consciência.
Um sabiá solitário resolveu que era manhã e hora de despertar a vida.
Deu início a sinfonia dominical, primeiro os trinados, depois os cantos e  em seguida a apoteose com os carrilhões das igrejas e as chamadas das missas.
Algumas vozes infantis se ouvem, um riso de bebê, as velhinhas começam a abrir as janelas.
Recomeçamos.
Um aroma forte de café desperta os sentidos – por favor não liguem os televisores, quero ouvir os sons da minha infância .
Apuro os ouvidos, com os olhos fechados ouço ao longe, remota a voz delicada da mãe levando tigelinhas de leite para os gatos nos quintais.
Ah , havia quintais, flores e jardins.
Meu tema recorrente, o pai- o pai ainda roncava solenemente, um ronco grave descansado e eu entrava a passo naquele quarto escuro como uma sala de cinema, ao lado da cama de imbuia pesada dormia sobre o tapete nossa imensa cachorra dinamarquesa. Ela também roncava sossegada.
Naqueles roncos havia uma paz, uma tranquilidade, uma capacidade de sonhar como a que  até hoje buscam inutilmente  os médicos com seus experimentos, suas receitas e fórmulas de laboratório.
Era o sono dos justos, dos tempos imemoriais que também persigo em minha insônia.
De pijama na sala e de meu ponto de observação olho para o vazio em minhas madrugadas de angústia quando confabulo com o meu silêncio.
Por onde andei?
O que restou desse meu tempo, de minhas memórias empilhadas em prateleiras como sebos de livrarias ?
Por que o tempo não regressa e não se abre para mim como as imensas cortinas de veludo vermelho de um palco de teatro onde eu pudesse ingressar ?
Queria somente  andar um pouco  novamente descalço com os pés no chão  em minha antiga rua de saibro.
Voltar a sonhar, a ter ilusões, reaprender a brincar distraído, não ter saudades, ser criança em uma vez  que fosse .
Apenas por um domingo.

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